Antigamente
uma das boas vantagens de ser um teórico, professor e pesquisador, e não um
jornalista, é que ao contrário deste último eu poderia gastar meu tempo e me
debruçar sem culpas ou críticas sobre o que não é e pode nem vir a ser notícia.
Aquilo que simplesmente ainda não aconteceu, e que muitas vezes nunca acontece
(desnecessário dizer o quanto o jornalismo mudou; tanto que muitos dos nossos
profissionais de imprensa hoje se sentem perfeitamente livres para contrariar
essas velhas regras do métier...).
Com relação à tão discutida – e frequentemente lamentada – atual reforma
ministerial, por exemplo, gostaria apenas de lembrar algumas noções básicas que
podem ajudar a entender não exatamente as escolhas já feitas pela presidente e
sua entourage – longe de mim! –, mas ao menos questionar os porquês de
tantas acusações ou elogios, tantas decepções e antecipações, confiantes ou
catastróficas – assim como explicitar as razões que me levam a não tomar muito
a sério nem umas nem as outras.
Existem
básica e teoricamente três objetivos que guiam ou deveriam guiar a formação de
um ministério e a ocupação de cargos públicos de primeiro e segundo escalão;
particularmente numa democracia com as características do sistema político
brasileiro contemporâneo: 1) levando-se em conta a diversidade e abrangência
das funções e áreas de atuação do Estado contemporâneo, e a consciência
prudente de que é impossível – e pouco recomendável – tentar obter sucesso em
todas elas, em especial ao longo apenas de um mandato fixo de quatro anos (e
que para ser renovado por mais quatro, terá de apresentar resultados em prazo
relativamente curto), a primeira função da montagem dos quadros deverá ser
atender às metas prioritárias fixadas pela estratégia geral do governo em
questão, colocando-se nos postos-chaves as pessoas que, teoricamente, melhor
poderão dar conta de cumprir tais prioridades; seja por seu compromisso com elas,
pelas atribuídas qualidades técnicas de tais indivíduos, por suas imagens
públicas, por sua vinculação com grupos de poder estratégicos, ou por qualquer
combinação de alguns ou todos estes atributos; 2) em paralelo, ou em seguida,
cabe utilizar as nomeações como elemento de costura das alianças e apoios
partidários no Congresso Federal, mas também nos estados, já que a formação e o
cuidado permanente com as coalizões é essencial para tocar o dia a dia do
governo; 3) finalmente, é preciso levar em conta, na composição dos gabinetes,
os vínculos do governo com a Sociedade Civil, trazendo nomes que possam
facilitar o diálogo com setores considerados importantes. E sem esquecer, é
claro, o fato de que o atendimento razoável de tais objetivos é sempre
dependente da oferta geral de quadros administrativos – técnicos e políticos –
à disposição dos artífices da ocasião.
Em
tese sempre se pode imaginar que em alguns casos particularmente felizes se
poderia ocupar idealmente os cargos mais estratégicos com os melhores quadros
disponíveis, tanto de um ponto de vista “técnico” quanto político (e em ambos
os sentidos acima mencionados do termo). Atendendo assim a todos os objetivos
principais de uma só tacada.
Mas
qualquer pessoa que acompanhe a política (ou a vida) com um pouco mais de
atenção e experiência sabe que isso é simplesmente impossível. Não somente
porque um objetivo pode entrar em contradição com outro (e o ‘xis’ da política
é justamente conseguir administrar – o que não é exatamente o mesmo que
“resolver” – esse tipo de contradição). Nem porque propriamente, ao contrário, se
trate de uma questão de carência de pessoas com tal polivalência, ou, como se
diz, por absoluta falta de “material humano” (o que também se houve com
frequência; com doses equivalentes de arrogância e ignorância política). Não.
É impossível se garantir o preenchimento de modo razoavelmente satisfatório de
tais funções, atingindo objetivos tão importantes, porque de saída isso
simplesmente pressupõe um acordo mesmo que mínimo sobre metas e estratégias
gerais de governo, mas também de prioridades, táticas e timing de
cumprimento de tarefas, etapas e pré-requisitos. Ou seja: só posso dizer que
fulano ou sicrano é o nome perfeito para determinado cargo – ou, inversamente,
que é o pior – se eu souber quais as expectativas que o próprio governo tem
para tal função, no contexto mais amplo de suas estratégias. Qualquer
especulação para além disso é mera projeção minha sobre quais deveriam ser tais
metas e estratégias, e qual o perfil ou indivíduo que idealmente – ou
arbitrariamente (em geral dá no mesmo) – considero mais talhado para isso. Pode
ser muito bom para o ego, para marcar posição, ou simplesmente um exercício
mental divertido de se fazer, mas em geral é rigorosamente irrelevante para a
compreensão efetiva do processo.
Ora,
admita-se, por hipótese, que o próprio governo possa ter total clareza e
controle sobre tal complexo (o que, de minha parte, sem demérito nenhum para
este ou qualquer outro governo, eu sempre duvido). Como é que nós,
observadores, que não possuímos nem uma ínfima parte da informação que cabe aos
eleitos, não estamos submetidos às pressões que estes enfrentam (ainda bem!),
nem, na maioria esmagadora dos casos, podemos privar de acesso privilegiado a
suas intimidades ou oráculos, poderemos não somente avaliar com um mínimo de
objetividade os seus possíveis erros e acertos neste campo, quanto mais
antecipar seus futuros desempenhos?
Eu
entendo, claro, que a escolha de ministros e quadros governamentais pode ser
bem mais importante para o futuro e os interesses particulares de muita gente bem
informada. Bem mais dramático do que a escalação da seleção.
E no mais, o choro é livre, assim como as artes da crítica, da pressão política,
da especulação, e o direito a dar pitacos, ou bancar a pitonisa. Graças a Deus está tudo garantido por nossa constituição democrática.
Por
isso mesmo que assim como temos de respeitar o resultado das urnas, cabe ao
governo eleito governar, fazer suas escolhas e cometer seus eventuais erros e
acertos. E a nós cabe sempre cobrar, reclamar, pressionar, elogiar, criticar,
apoiar, se opor, propor alternativas, etc.
Mas
soltar foguetes ou sofrer por antecipação, aqui da planície, com um ministério
que ainda nem tomou posse!?
E com essa me despeço de 2014 – por mais que este ano teime em não acabar – e desejo
feliz 2015 a todas/os!