domingo, 28 de março de 2010

Um caso asqueroso

A condenação, anteontem, do casal Nardoni/Jatobá, pelo assassinato da menina Isabela, pode ser, para muitos, o desfecho mais do que previsível – e, aparentemente, desejado intensamente – de um drama em que, afinal, triunfou a Justiça em nosso país. É possível.
Mas para mim, tudo não passou de mais um capítulo na re-encenação de uma tragédia de múltiplas dimensões, que já tinha me dado náuseas, há cerca de dois anos, quando se deu o crime, e que, retomado agora, com o julgamento, certamente ainda pode render mais alguns dividendos asquerosos.
A primeira dimensão trágica se situa, como é óbvio, no crime em si, na violência intolerável a que teria sido submetida a menina, sabe-se lá efetivamente como e, ainda mais, porquê (se é que aqui se pode falar em razão, ou motivo, propriamente dito). Se a versão da promotoria, afinal endossada pelo júri de anteontem, já parecia digna de pesadelo – tanto pela descrição hedionda do crime quanto pela associação intrigante de raiva explosiva, configurada nos indícios de agressão e esganadura, de par com deliberação (?!) doentia, expressa no que seria a decisão fatal de jogar o pequeno corpo pela janela –, também a improbabilíssima versão da defesa, acerca de um terceiro e misterioso personagem na trama – que seria o verdadeiro assassino –, tudo, enfim, já dava ao caso uma atmosfera digna de filme de horror.
Mas esse é apenas um dos lados do enredo (mesmo que ainda o principal). Um outro roteiro sinistro se desenrolou ao redor deste. Seus protagonistas não foram os clássicos personagens de dramas criminais, como a vítima, os acusados, testemunhas, investigadores e demais envolvidos diretamente na cena do crime e no teatro de relações humanas implicadas. Não.
Os personagens da segunda tragédia situam-se na opinião pública e nos principais artífices desta: os jornalistas. É difícil dizer o que foi mais lamentável (para além das construções/desconstruções da narrativa do crime em si): se a exploração irresponsável que certos veículos e profissionais da mídia fizeram da tragédia – principalmente no desenrolar das primeiras investigações, mas também agora, no julgamento –, ou a reação indignada de certos setores do público: cujas manifestações iradas de certeza acerca da culpa dos acusados, e conseqüente desejo de punição, ou mesmo vingança, beiraram freqüentemente as raias do mais puro e perigoso fanatismo.
Sei que vão dizer que o crime foi hediondo (e foi mesmo), ou que há uma demanda terrivelmente reprimida no país de desejo de justiça e fim da impunidade. Compreendo perfeitamente.
Mas ou aprendemos a confiar no nosso sistema Judiciário, mesmo com todos os seus defeitos, e a deixar a ele, a seus procedimentos, seus atores e métodos, o papel essencial e imprescindível de fazer Justiça – que não podem caber, num Estado de Direito, a auto-proclamados donos-da-verdade, juízes e jurados de ocasião, na mídia ou fora dela – ou, apesar de todas as nossas qualidades e avanços, vamos continuar a correr o risco de eventualmente merecer, tal como dizia a música de Caetano, o título de “a mais triste Nação, na época mais podre...”.