Já tive a
oportunidade de me manifestar anteriormente sobre o polêmico e importante
debate sobre des/regulação da mídia e como certos elementos e argumentos do
mesmo há muito me soam como totalmente fora de esquadro. Mas existem aspectos
históricos deste velho tema que, creio, continuam perfeitamente atuais e válidos.
Um deles é a importância crucial de uma pluralidade de formatos de propriedade
e de gestão dos veículos de comunicação para uma sociedade que ainda tenha a
pretensão de ser chamada de democrática.
Um exemplo
claro dessa necessidade pôde ser observado na recente entrevista concedida pela
presidente Dilma Rousseff ao jornalista Luís Nassif e transmitida pela TV
Brasil há poucos dias.
Sejam quais forem
as qualidades e defeitos técnicos, jornalísticos ou televisivos da matéria, o
que ficou claro para quem assistiu – além, é claro, da importância por si só do
conteúdo e da oportunidade de sua veiculação – foi a constatação de que uma
entrevista como aquela, com tamanha disponibilidade de tempo e respeito ao
entrevistado e a seus argumentos, jamais poderia ser feita e assim transmitida
pela maioria esmagadora das emissoras de TV disponíveis hoje no país. E para
isso nem mesmo seria preciso invocar alguma razão ideológica ou partidária, tal
como as que hoje parecem tomar de assalto as nossas redações. Mas sim porque o
modelo hegemônico de "telejornalismo" imposto aos jornalistas das TVs
comerciais brasileiras simplesmente não o permitiria.
De fato, devemos
agradecer e valorizar não somente o fato de nosso atual arcabouço de organização
da comunicação pública, mesmo com todos os seus defeitos e limitações, nos
permitir um mínimo de pluralidade editorial, mas acima de tudo o que ainda
restam de garantias jurídicas vigentes, e que impediram – ao menos por enquanto
– a mudança ilegal de comando na referida emissora pública, o que nos deu a
oportunidade de assistir entrevista tão importante.
Mas voltando às
vicissitudes mais ou menos estruturais da chamada grande mídia televisiva, teríamos
como primeiro fator crítico, obviamente, o tempo de entrevista. Com raras exceções,
há muito pouco espaço disponível nas grades de programação para o debate de
temas de interesse político, e muito menos oportunidade de argumentação e
esclarecimento necessários a temas muitas vezes complexos e que demandam
informação adicional frequentemente indisponível ao telespectador. Ao contrário
do que sucedeu entre Nassif e a presidente, é muito raro ter um entrevistado
tanto tempo para desenvolver um raciocínio um pouco mais denso do que manda e
demanda a idiotia pseudo-objetivista – parafraseando o velho Nélson – das
cartilhas seguidas hoje por certas celebridades travestidas de jornalista que
abundam nas nossas telinhas.
Por isso, também
a linguagem e a postura adotadas na entrevista da TV Brasil destoam
completamente do padrão usual e atual das TVs comerciais brasileiras.
Principalmente quando o entrevistado pertence ao mundo político, aquele mesmo
que é tantas vezes tratado a pontapés pelos jornalistas e televisivos, como se
houvessem muitos ambientes corporativos neste país – a começar pelos da mídia –
que não pudessem rivalizar com o de nossos representantes, em matéria de corrupção,
mandonismo, favoritismos, nepotismo e hipocrisia.
Como o próprio Nassif
aponta em sua coluna a respeito (http://jornalggn.com.br/noticia/o-prego-no-vinil-de-o-globo), mesmo sem abdicar da
crítica e de perguntas incômodas, ele não incorreu, contudo, na arrogância e na
agressividade que muitas vezes levam alguns dos mais celebrados entrevistadores
de hoje a, em nome de moralismos tacanhos – a rigor, ora de olho na audiência,
ora a serviço de interesses convenientemente restritos aos bastidores –, a se
servir do entrevistado como escada para a confirmação de sua própria e prévia
versão dos fatos, ou simples autopromoção, muitas vezes confundindo jornalismo
com interrogatório policial, ou ainda assumindo ares severos e presunçosos de
palmatória da humanidade. Avocando-se "mandatos" que ninguém delegou
e que tais "jornalistas" não possuem competência ou legitimidade
alguma para exercer.
O pior de tudo
não me parece ser, porém, a famosa pressão por audiência a qualquer custo – que,
por si só, poderia explicar em grande parte tanto a falta de tempo quanto a
superficialidade e a parcialidade muitas vezes elementares das pautas de
entrevistas –, mas sim uma força talvez maior e por vezes tão deletéria: a
combinação fatal do hábito – ou vício – e do preconceito, com a submissão a fórmulas
batidas, ao medo de inovar e, não raro, sob um controle editorial de conteúdo
em que muitas vezes a arrogância e o desrespeito à inteligência do leitor só podem
ser equiparados a uma enorme ignorância. Não só em matéria de jornalismo,
propriamente dito, e sua ética profissional mais básica, mas frequente e
principalmente no que diz respeito à história do país e a como entender a
complexidade de sua sociedade e suas instituições.
Felizmente,
apesar da mixórdia geral que predomina na grande mídia, as exceções existem, e
a revolução digital em curso já começa a nos brindar com exemplos promissores
de renovação e inovação da velha e fundamental arte de informar o público com
um mínimo de respeito e competência.
De qualquer modo, nunca encontrei melhor exemplo
do autocentrismo e da ignorância fatais que assolam algumas de nossas
principais e mais poderosas redações do que o de um jovem repórter que há muitos
anos, conversando com meu saudoso colega de pesquisa, Plínio de Abreu Ramos,
assim consultava sua rica e arguta memória da política brasileira: "mas,
diga-me então professor, como foi mesmo que terminou o segundo governo de
Getulio Vargas?". "Ora, meu filho", disse-lhe pacientemente o sábio
e venerando colega: "não foi exatamente o governo que terminou...”.