quarta-feira, 15 de junho de 2016

"Não foi exatamente o governo que terminou..."

Já tive a oportunidade de me manifestar anteriormente sobre o polêmico e importante debate sobre des/regulação da mídia e como certos elementos e argumentos do mesmo há muito me soam como totalmente fora de esquadro. Mas existem aspectos históricos deste velho tema que, creio, continuam perfeitamente atuais e válidos. Um deles é a importância crucial de uma pluralidade de formatos de propriedade e de gestão dos veículos de comunicação para uma sociedade que ainda tenha a pretensão de ser chamada de democrática.
Um exemplo claro dessa necessidade pôde ser observado na recente entrevista concedida pela presidente Dilma Rousseff ao jornalista Luís Nassif e transmitida pela TV Brasil há poucos dias.
Sejam quais forem as qualidades e defeitos técnicos, jornalísticos ou televisivos da matéria, o que ficou claro para quem assistiu – além, é claro, da importância por si só do conteúdo e da oportunidade de sua veiculação – foi a constatação de que uma entrevista como aquela, com tamanha disponibilidade de tempo e respeito ao entrevistado e a seus argumentos, jamais poderia ser feita e assim transmitida pela maioria esmagadora das emissoras de TV disponíveis hoje no país. E para isso nem mesmo seria preciso invocar alguma razão ideológica ou partidária, tal como as que hoje parecem tomar de assalto as nossas redações. Mas sim porque o modelo hegemônico de "telejornalismo" imposto aos jornalistas das TVs comerciais brasileiras simplesmente não o permitiria.
De fato, devemos agradecer e valorizar não somente o fato de nosso atual arcabouço de organização da comunicação pública, mesmo com todos os seus defeitos e limitações, nos permitir um mínimo de pluralidade editorial, mas acima de tudo o que ainda restam de garantias jurídicas vigentes, e que impediram – ao menos por enquanto – a mudança ilegal de comando na referida emissora pública, o que nos deu a oportunidade de assistir entrevista tão importante.
Mas voltando às vicissitudes mais ou menos estruturais da chamada grande mídia televisiva, teríamos como primeiro fator crítico, obviamente, o tempo de entrevista. Com raras exceções, há muito pouco espaço disponível nas grades de programação para o debate de temas de interesse político, e muito menos oportunidade de argumentação e esclarecimento necessários a temas muitas vezes complexos e que demandam informação adicional frequentemente indisponível ao telespectador. Ao contrário do que sucedeu entre Nassif e a presidente, é muito raro ter um entrevistado tanto tempo para desenvolver um raciocínio um pouco mais denso do que manda e demanda a idiotia pseudo-objetivista – parafraseando o velho Nélson – das cartilhas seguidas hoje por certas celebridades travestidas de jornalista que abundam nas nossas telinhas.
Por isso, também a linguagem e a postura adotadas na entrevista da TV Brasil destoam completamente do padrão usual e atual das TVs comerciais brasileiras. Principalmente quando o entrevistado pertence ao mundo político, aquele mesmo que é tantas vezes tratado a pontapés pelos jornalistas e televisivos, como se houvessem muitos ambientes corporativos neste país – a começar pelos da mídia – que não pudessem rivalizar com o de nossos representantes, em matéria de corrupção, mandonismo, favoritismos, nepotismo e hipocrisia.
Como o próprio Nassif aponta em sua coluna a respeito (http://jornalggn.com.br/noticia/o-prego-no-vinil-de-o-globo), mesmo sem abdicar da crítica e de perguntas incômodas, ele não incorreu, contudo, na arrogância e na agressividade que muitas vezes levam alguns dos mais celebrados entrevistadores de hoje a, em nome de moralismos tacanhos – a rigor, ora de olho na audiência, ora a serviço de interesses convenientemente restritos aos bastidores –, a se servir do entrevistado como escada para a confirmação de sua própria e prévia versão dos fatos, ou simples autopromoção, muitas vezes confundindo jornalismo com interrogatório policial, ou ainda assumindo ares severos e presunçosos de palmatória da humanidade. Avocando-se "mandatos" que ninguém delegou e que tais "jornalistas" não possuem competência ou legitimidade alguma para exercer.
O pior de tudo não me parece ser, porém, a famosa pressão por audiência a qualquer custo – que, por si só, poderia explicar em grande parte tanto a falta de tempo quanto a superficialidade e a parcialidade muitas vezes elementares das pautas de entrevistas –, mas sim uma força talvez maior e por vezes tão deletéria: a combinação fatal do hábito – ou vício – e do preconceito, com a submissão a fórmulas batidas, ao medo de inovar e, não raro, sob um controle editorial de conteúdo em que muitas vezes a arrogância e o desrespeito à inteligência do leitor só podem ser equiparados a uma enorme ignorância. Não só em matéria de jornalismo, propriamente dito, e sua ética profissional mais básica, mas frequente e principalmente no que diz respeito à história do país e a como entender a complexidade de sua sociedade e suas instituições.
Felizmente, apesar da mixórdia geral que predomina na grande mídia, as exceções existem, e a revolução digital em curso já começa a nos brindar com exemplos promissores de renovação e inovação da velha e fundamental arte de informar o público com um mínimo de respeito e competência.
De qualquer modo, nunca encontrei melhor exemplo do autocentrismo e da ignorância fatais que assolam algumas de nossas principais e mais poderosas redações do que o de um jovem repórter que há muitos anos, conversando com meu saudoso colega de pesquisa, Plínio de Abreu Ramos, assim consultava sua rica e arguta memória da política brasileira: "mas, diga-me então professor, como foi mesmo que terminou o segundo governo de Getulio Vargas?". "Ora, meu filho", disse-lhe pacientemente o sábio e venerando colega: "não foi exatamente o governo que terminou...”.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

A montanha


Reza a sabedoria militar oriental – exemplificada em figuras como o poderoso senhor da guerra Takeda Shingen, líder feudal japonês do século XVI, personagem do clássico Kagemusha, de Akira Kurosawa – que um grande exército deve ser impassível como uma montanha, e como tal não se move. 

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Acho que a mesma metáfora caberia bem à trajetória e ao transe atual daquele que, em números – mas certamente não em estatura, consistência programática ou credibilidade – é ainda o maior partido do Brasil.
Uma vez que assim como no filme do genial cineasta japonês – em que o desmascaro do sósia-impostor que ocupa o lugar de Shingen, morto, conduz o herdeiro deste a se precipitar fatalmente no campo de batalha –, o interino da nossa presidência parece ter cometido erro similarmente grave, com seu grande e pesado partido, ao deixar os bastidores do grande teatro político nacional e aventurando-se no proscênio: moveu-se.
Resta saber se o destino da nossa "montanha" será o mesmo, ou comparável, ao do clã Takeda, no filme de Kurosawa.