Segue em pleno vigor o festival de desfaçatez que
assola o país.
Se na semana passada fomos brindados com
tentativas ridículas de tapar o sol com a peneira – questionando-se os índices
de desaprovação do Exmo. Presidente da República (“já que vai tudo tão bem!
Como é possível alguém desaprovar o "governo"?!”) – logo em plena
segunda-feira a Folha de S.Paulo destaca em sua edição que "Maioria
do país quer Lula preso e Temer processado".
Embora não possa surpreender ninguém o destaque
negativo dado ao noticiário sobre o ex-presidente (e agora também ao atual),
dessa vez, porém, fiquei encafifado com a manchete. Afinal, não foi o próprio
DataFolha, do mesmo grupo empresarial, que tornou pública, também na semana
passada, nova pesquisa de intenção de voto na eleição presidencial prevista
para o ano que vem, apontando Lula como favorito em todos os cenários
previsíveis? Como é possível que a maioria do eleitorado demonstre,
simultaneamente, intenção de eleger presidente e de ver preso o mesmo
personagem?
Não, querido leitor. Não culpe o eleitorado (como
é habitual no Brasil).
Nem culpe os números (e no caso, o DataFolha).
A confusão – intencional ou não – é de
responsabilidade única e exclusiva do jornal.
Pois basta olhar não a manchete, mas sim os
números no texto da própria matéria para perceber que, sim, é possível – ao menos
no Brasil de hoje – que uma parcela considerável do eleitorado se disponha a
reeleger Lula, enquanto que outra, também significativa, queira vê-lo atrás das
grades (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/10/1923447-brasileiro-quer-lula-preso-e-aval-a-denuncia-contra-temer.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsfolha).
Deixando de lado a problemática hipótese –
improvável, mas não de todo impossível – de que possa haver alguma interseção entre
os dois contingentes, o problema conceitual mais evidente se encontra na
própria noção de "maioria". Afinal, de que maioria se está falando?
Maioria simples, absoluta, qualificada, ou quase unânime? Sem dúvida que o uso
do termo – maioria – já é em si relevante. Mas as palavras enganam (manchetes
de jornal, então...). Por isso é preciso prestar um pouco mais de atenção
(inclusive porque já na abertura do texto linkado acima o autor da matéria não
tem nenhum escrúpulo em transformar a tal "maioria" de entrevistados
numa entidade um pouco maior, quase mítica e universal: "o
brasileiro", que, segue a missiva, "defende a prisão" de um,
assim como "o prosseguimento da denúncia" do outro).
Pois não pode haver nenhuma dúvida com relação à
malandragem da edição jornalística quando se comparam, no próprio texto da
matéria, as diferentes "maiorias": a pró-prisão de Lula (cerca de
54%) com a dos que querem ver Temer devidamente investigado: 89%! Ou seja: o
que a manchete "iguala" é francamente problematizado pelo próprio
texto. A não ser, é claro, que se julgue que "maiorias" de 54 ou de
89% não fazem a menor diferença! Ou que os 40% minoritários que se manifestam
na mesma pesquisa contra a prisão de Lula possam ser facilmente comparados e
equalizados aos 7% contrários a um eventual aval da Câmara para processar
Temer. Há portanto uma "pequena" diferença entre o
"brasileiro" que já condenou Lula e o que quer ver Temer sendo processado,
e uma diferença de magnitude um "pouquinho" maior entre os que não
concordam com os diferentes ordálios que espíritos mais severos – talvez os
eméritos juízes da Folha de S. Paulo e companhia midiática ilimitada –
gostariam de ver aplicados a cada um dos personagens em questão, em sua
desinteressada ânsia por justiça a qualquer custo,.
Deixando de lado a, digamos, infelicidade da
edição da notícia, fica, porém, mais claro porque ambos os resultados com
relação a Lula podem ser estatisticamente válidos: a maioria que hoje – ou semana
passada – o elegeria, não é obviamente a mesma que o mandaria hoje para a
cadeia. Está última parece se referir mais à dos que rejeitam terminantemente o
líder petista, conforme a pesquisa de intenção divulgada na semana anterior.
Nesse sentido, se corretas as duas pesquisas de
opinião – e nossa hipótese de leitura das mesmas – o que efetivamente as
enquetes apontam, entre outras coisas, é para a profunda polarização nacional.
Em especial no que diz respeito a Lula e ao PT.
Nada de muito novo, portanto. Bastaria, aliás,
observar na matéria os dados desmembrados da pesquisa, principalmente no que
diz respeito à renda e localização
dos entrevistados para imaginar com boa margem de segurança quem são os típicos
componentes de cada "maioria" ou "minoria" (assim como perceber
a ideia um tanto quanto exclusiva – e excludente – de "brasileiro"
que os jornalistas da Folha – e algures – provavelmente cultivam hoje em
dia...).
Quanto à Temer... bem (sugiro humildemente a
leitura do meu penúltimo post neste blog, justamente sobre a evolução de sua
"popularidade", e cujo título é "Historinhas (brincando - mas não brigando - com os números").