domingo, 1 de outubro de 2017

Historinha (ou brincando - mas não brigando - com os números)

Análise de pesquisas de opinião é sempre um negócio arriscado. Ainda mais quando você não tem acesso a muitos dados, não pode desmembrar os índices agregados, nem pode sair a campo para testar hipóteses ou mesmo meras possibilidades de hipóteses.
Mas olhando a evolução dos números sobre avaliação do "governo"Temer, ao longo desse seu  tenebroso primeiro ano, não deixa de ser sugestivo o modo como eles parecem delinear uma tendência constante e ininterrupta de aumento da desaprovação.
À princípio, não poderia surpreender a ninguém em seu juízo perfeito que a dita "administração" atual tenha conseguido bater os recordes de avaliação negativa que até hoje eram galhardamente sustentados pelo há muito finado Governo Sarney (1985-1990), em seus deprimentes estertores (mais exatamente no ano de 1989, não por acaso o da eleição do ex-caçador de marajás, Fernando Collor de Mello – candidato, então, ao papel recorrente de salvador da pátria amada, salve, salve!). Com efeito, não pode ser minimizado o fato de que desde pouco meses após usurpada a presidência da República por Temer e chegando até a última pesquisa encomendada ao Ibope pela CNI ( https://g1.globo.com/politica/noticia/governo-temer-e-aprovado-por-3-e-reprovado-por-77-diz-ibope.ghtml ), os inicialmente razoáveis índices de  aprovação e confiança no "governo" seguiram sistematicamente despencando, aferição após aferição.
Mas como então interpretar tal fato levando-se em conta, porém, que não foram poucos os apoiadores da chegada dessa coalizão ao Poder – como ainda hoje existem muitos que, de um modo ou de outro a sustentam ou justificam (em geral, com argumentos tão convincentes e inspiradores quanto uma poesia de sua Excelência presidencial) –, assim como segue intacta e cada vez mais autônoma a agenda de mudanças que unificou o poderoso movimento golpista (a despeito de rusgas e rivalidades que acometem seus partidários, além, é claro, das diferentes apostas que vão fazendo em torno das eleições de 2018 – incluída aí, também, obviamente, a possibilidade de se impedir as próprias eleições, promovendo-se então outro golpe dentro do golpe)?
Uma historinha que pode dar conta dessas contradições é simples (mas espero que não faça nenhum boi dormir): a talvez não tão impressionante e constante deterioração da popularidade do "governo" Temer parece espelhar fielmente a reação e o desapontamento de relativa maioria do eleitorado brasileiro diante da promessa fajuta – alimentada ad nauseam pelos golpistas, suas claques midiáticas, et caterva de intelectualóides disponíveis - de que uma vez extirpada a praga petista do Poder, e sobrevindo a isso uma nova coalizão partidária devidamente sólida em torno do novo capataz e seu competentíssimo e abnegado projeto de salvação nacional, todos os problemas econômicos do País se resolveriam automaticamente, e, por último, mas não menos importante, toda a desenfreada e desnuda corrupção seria castigada e suprimida (porque, afinal, qualquer criança brasileira "bem informada" sabe que a malversação de recursos públicos em Pindorama é não somente uma invenção do PT, como exclusividade de seus governos!).
Assim, bastou por um lado que o bolso da maioria dos cidadãos não apresentasse os devidos e esperados sinais de redenção. E nem mesmo as alvissareiras novas de redução da inflação e de queda dos juros parecem ter surtido, por enquanto, grandes impactos (já que vá lá explicar a um desses bem alimentados dândis televisivos da economia engravatada que para o comum dos mortais sem crédito e acesso ao sistema financeiro a redução da taxa de juros não chega a entusiasmar, ou que a redução da inflação pode não fazer tanta diferença assim, dependendo dos itens que compõem a média ou do patamar inicial dos preços que, eventualmente, param de subir ou mesmo descem; ainda mais, é óbvio, se você não tem nem salário digno nem rede de proteção social que lhe permitam consumir...).
Quanto ao fim da corrupção... bem. Alguém já disse, e outros repetiram, ao longo dos últimos quinhentos anos - ou seriam mil, dois mil? - que neste assunto o dito cujo fica um pouco mais embaixo.
Que o digam sua Excelência, sua qualificadíssima entourage, suas bases pra-lamentares, e os implacáveis defensores da moral pública e palmatórias da humanidade, na mídia, no Ministério Público, no Poder Judiciário. Graças à ação patriótica e perfeitamente harmônica de todos, o cidadão brasileiro cada dia sabe melhor o quão pode dormir descansado com relação a seus direitos fundamentais e ao destino seguro e eficaz do imposto que com tanto suor e alegria destinou aos encargos da "gerência".
Junte-se afinal, a tal enredo edificante que nos vem sendo legado há coisa de um ano pelos novos líderes da República, o conjunto portentoso de medidas e reformas que eles vêm promovendo com tanta presteza e espírito público, para o bem de todos e felicidade geral, e ainda caberia, mais uma vez, perguntar: é possível ter alguma dúvida dos porquês de tais índices de aprovação e confiança?

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