Desde o marco temporal
inicial da crise atual – a aceleração da articulação política golpista, cujo
desenlace foi o impeachment de Dilma – chama-me a atenção a angústia com
que razoavelmente bem-intencionados espíritos tentam se equilibrar em algum
ponto intermédio entre os que defenderam, de um modo ou de outro, a suspeita
intervenção "cirúrgica" – para salvar a Pátria e sua economia
saudabilíssima dos sanguinários bolivarianos populistas petistas (sem falar, é
claro, dos velhíssimos, terríveis e incorrigíveis comunistas ressurretos) – e aqueles,
ditos "esquerdopatas", ou "democratopatas", que, como eu,
independentemente de diversas simpatias e antipatias partidárias e ideológicas,
de um jeito ou de outro não aceitaram ver as instituições democráticas
internamente subvertidas e a Constituição rasgada e achincalhada.
Se, no princípio,
confesso, não tive muita paciência para com tal espécime de criatura indecisa
ou volúvel – diante da clara e evidente ameaça institucional e social representada
pelo golpismo -, hoje me sinto mais movido por uma sincera compaixão por eles,
em especial aqueles que já se arrependeram por, de um modo ou de outro,
subscrever o golpe. No mínimo, porque talvez se deram conta de que a emenda –
ou seja, o novo status quo – consegue ser infinitamente pior do que
qualquer diagnóstico negativo passado, dos mais tendenciosos, inclusive, sobre
o "soneto" (quer dizer: o Brasil sob o governo legítimo de Dilma).
Mas a falta de paciência
prévia e a compaixão atual derivam ambas da mesma e singela razão: nossa
situação é tão grave que não há propriamente posição intermediária possível.
O chamado
"centro" político se encontra hoje, a sério, rigorosamente
inviabilizado. Mesmo que alguém ainda queira localizar algum resquício de
legalidade no impeachment, qualquer tentativa de justificar o
"programa" de "governo" posto em prática pelos usurpadores
– e que não seja um caso incurável de polianismo político, ou, obviamente,
fruto de puro fundamentalismo doutrinário neoliberal – só parece passível de
compreensão na medida em que o justificante tenha ele próprio acesso e
interesse material imediato e míope no escancarado porém exclusivo clube de
negociatas instituído pelo "governo" (o que, convenhamos, não é coisa
que se aplique à realidade econômica da maioria esmagadora dos mortais,
inclusive muitos dos eventuais centristas ou direitistas mais ou menos
empedernidos na justificação do golpe).
Ou seja: a subversão dos
marcos institucionais e o derretimento do pouco que restava da credibilidade da
Lei e seus operadores não se restringe ao jogo da chamada política oficial
(onde já seria suficientemente grave). Não. Os belos exemplos de comportamento
público proporcionados dia a dia justamente por aqueles que mais deveriam zelar
por sua "autoridade" atingem em cheio as bases de civilidade, ou
"cordialidade" que ainda teimavam, e às vezes ainda teimam em tornar
a vida cotidiana minimamente suportável e viável nesta sociedade. Tanto que é
difícil dizer o que mais contribui para o esgarçamento do tecido social e o
crescimento da violência e insegurança sociais, num contexto que a tradicional
e portentosa desigualdade brasileira desde sempre já tornou suficientemente
problemático: se o vôo de galinha da economia nacional – pilotada pelos
"austeros" condutores da tecnocracia planaltina – ou o show de
cafajestagem explícita e vale-tudo com que somos brindados exaustivamente pela
novela tediosa e interminável das denúncias e "investigações",
cevadas pelo pagode de uma nota só da cobertura "política" midiática
e seus imparciais artífices.
Mas o que torna cada vez
mais exíguo o espaço reservado a uma tentativa de posicionamento ao
"centro" – para além do naufrágio das instituições e o desprezo
crescente de qualquer coisa que pudesse ainda sugerir as simples idéias de equilíbrio
ou tolerância – é que o rolo compressor de aniquilamento de direitos e do que
seja lá que ainda possa ser considerado de natureza Pública nesse país, repele
forçosamente quaisquer forças políticas e sociais atuantes para os extremos do
espectro ideológico e estratégico.
Não há meio termo que
resista diante do verdadeiro centrifuguismo imposto não somente via
radicalismos irresponsavelmente insuflados, há anos, pelo moralismo golpista,
mas agora também estimulado pela política de terra arrasada patrocinada
ininterruptamente pelo "governo" e suas bases, com as devidas
colaborações marginais dos oportunistas da hora (igualmente marginais em sua
representatividade e origens sociais).
Não está
constrangedoramente exposto apenas o Rei, com sua roupa "nova". Mas
também toda a corte e os inumeráveis penetras e cronistas bajuladores do baile.
Não há espaço, pois, para
nenhum centrismo, eqüidistância ou "terceira-via", nem muito menos
para pseudo-outsiders, com sua
conversa fiada de idoneidade moral, competência técnica, antipartidarismo e suposto
apoliticismo.
Só para oportunismos da mais variada espécie.