"Anything
goes..."
(Cole
Porter)
A enrascada em que os apoiadores do golpe de 2016, em
especial os moderados, se meteram pode ser compreendida melhor, à medida que
avançam as especulações sobre candidaturas à presidência da República para o
pleito deste ano, em torno do seguinte problema: o candidato dos sonhos das
oligarquias tem de ser alguém totalmente palatável ao chamado establishment,
e, ao mesmo tempo, um outsider da política.
Ou seja: alguém que possa tranqüilizar as oligarquias
e seus vassalos nos setores mais conservadores e reacionários das classes
médias e inferiores, mas que pareça não estar contaminado pelo jogo político
institucional – exatamente a arena onde hoje as oligarquias exercitam sem peias
(que não a própria competição interna a elas) o seu poder predatório.
Daí o nervosismo à cada nova pesquisa de intenção de
voto – com ou sem Lula, com essa ou aquela plêiade de concorrentes –, e o
assanhamento e a angústia em torno de nomes "novos", como os de
"celebridades", ou recém-entronizados paladinos da justiça, ou ainda
tecnocratas supostamente acima de qualquer suspeita (partidária, é claro).
Tanto faz.
O que importa é achar logo algum "poste" que
se coloque competitivamente – e principalmente graças à sua inconsistência
política e partidária – num ponto central mais ou menos eqüidistante das
extremas (ou nem tão extremas assim), à esquerda e à direita. Que, como já
dissemos antes, tendem se não a propriamente seduzir
"ideologicamente" as maiores parcelas do eleitorado, e, talvez, a
liderar as futuras pesquisas de intenção de voto, certamente deverão seguir polarizando
o debate, tornando ainda mais inconsistente qualquer tentativa de articulação
de um discurso de "centro" – num contexto geral já inteiramente
radicalizado (e sem nenhuma perspectiva séria de descompressão a curto ou médio
prazo). E com tudo tendendo a fazer do próximo pleito o mais incerto e imprevisível
desde 1989.
O dilema traduz, em primeiro lugar, a versão
tupiniquim da tendência política e ideológica global que, em outros contextos
já foi chamada (creio que impropriamente) de "populismo
plutocrático": conversa fiada moralista e pseudo-econômica para engrupir e
mobilizar levas de neófitos, ressentidos e preconceituosos, mas igualmente
perfeita para alavancar policies e
"reformas" talhadas de encomenda para rentistas e outros espertalhões
(às custas dos mesmos ressentidos e preconceituosos, inclusive).
Aqui em Pindorama acredito que a melhor definição seja
outra: antipoliticismo udenista primário. Quer dizer, indignação seletiva,
obsessiva e praticamente exclusiva com corrupção no (e do) setor público, desprezo
ignorante da política, dos partidos e dos políticos profissionais – mas acima
de tudo do povo que os elege –, crença messiânica na pura vontade e anseio
infanto-juvenil por salvadores da pátria dotados do inefável pedigree moral e
técnico-elitista para resolver autoritária e cientificamente os problemas
nacionais. Em suma: uma receita infalível para escolhas equivocadas e
insatisfação garantida (e sem o seu dinheiro de volta!).
Mas não nos iludamos. Para além da arenga moralista,
autoritária, eventualmente pseudo-liberal e moderninha que anseia pelo
candidato puro-sangue se esconde a mesma fonte e beneficiário final: as
poderosas minorias que, aqui ou alhures, tem interesse na manutenção indefinida
do status quo social, ou pior: anseiam por retrocessos lucrativos e
imediatos.
Por outro lado, o traumático passado recente, o
elevadíssimo grau de imprevisibilidade institucional produzido a doses maciças de
oportunismo político míope, em meio a anarquia judicialesca fatal – cujos
capítulos mais recentes tivemos o desprazer de testemunhar no último 24 de
janeiro, mas que vem se desenrolando entre nós, ininterruptamente, há muitos
anos – inevitavelmente cobram o seu preço, atingindo, de um modo de outro, a
credibilidade de todas as instituições. Cumprindo-se enfim a profecia construída
por décadas de moralismo e denuncismo midiático irresponsável: a longa noite em
que todos os gatos – leia-se, as instituições, os partidos e agentes políticos
– se tornam pardos, e não reste mais nada à turba desencantada e desencontrada
do que ansiar pelo milagre e seu correspondente messias.
Mas calma... Nem tudo está perdido (nos dirão
sofregamente os arautos e especuladores do "et plus ça change...", do alto de seus think tanks, em
seus editoriais ou artigos de opinião acolhidos nas velhas tribunas da
"ordem" e do "progresso"...).
Afinal, se não houver outro jeito, sempre se pode
contar, menos entusiasmadamente, com os quadros mais confiáveis da velha
política oligárquica. Como, é claro, em primeiríssimo lugar, os tucanos: sempre
tão modernos, elegantes e impolutos – mesmo quando flagrados em evidente
desconforto digestivo no corpo-a-corpo das campanhas, ou envoltos em enredos
nebulosos, de fatais bolinhas de papel, surrupio de merenda escolar, ou
concorrências públicas marotas, a helicópteros que desaparecem na calada da
noite (ou melhor dizendo: surgindo esporadicamente e submergindo rapidamente
nos labirintos da cobertura jornalística imparcial que pontifica em nosso
país).
Ou ainda melhor (ou pior): quem sabe até o governo
temerário não pode ele mesmo parir o seu próprio poste de confiança?
Afinal, chegamos a tal ponto de desfaçatez e vale-tudo
que até algum campeão nacional de impopularidade tem o direito de sonhar: por
que não eu?