sábado, 30 de dezembro de 2017

Das muitas coisas de 2017 que não vão deixar saudades (ou, os não-populistas, ou ainda, os simplesmente impopulares)

Só agora li, numa dessas retrospectivas típicas de fim de ano, o interessante artigo de Annalisa Merelli, publicado na Quartz no início de 2017, sobre bolhas de opinião na rede (https://qz.com/866727/filter-bubbles-and-facebok-why-so-many-people-hate-the-liberal-elite/).
Assim como ela e muitos colegas, há muito cultivo uma implicância intensa para com o "conceito" de "populismo". Parafraseando meu querido mestre César Guimarães, diria que populista é todo aquele meu rival, adversário político ou simples desafeto que independentemente de maior ou menor consistência ideológica, e seja qual for sua espécie, demonstra sempre a irritante e característica capacidade de ser popular. E o que é pior: mais popular do que eu ou posições, partidos e candidatos de minha preferência.
Pois eis que com a mesma inconsistência, e muitas vezes traindo a mesma inveja e ressentimento de sempre – ou o mesmo oportunismo pseudo-técnico habitual – o famigerado epíteto ressurgiu com força total por toda a parte. Como de praxe, em discursos conservadores ou reacionários suspeitos. Do mesmo modo, é claro, no jargão cada vez mais pobre, superficial, inconseqüente e repetitivo de alguns jornalistas. Mas também seguiu freqüentando assiduamente toda uma produção acadêmica que reputo, no mínimo, como teoricamente problemática.
E tem para todos os gostos: dos velhos e repisados "populistas de esquerda" – com sua mania de propor medidas que parecem adequadas para combater desigualdades; e que, pasmem!, muitas vezes, de fato, funcionam; pelo menos eleitoralmente; sendo, obviamente, ainda capazes de atrair muitos simpatizantes – aos "novos""populistas de direita": por sua vez, pródigos na manipulação de temores e preconceitos primários, e não raro desagradáveis, mas que não deixam de refletir (mesmo que perversamente) problemas e tensões reais da vida social e econômica.
Não que os fenômenos políticos assim retratados não mereçam atenção e um olhar crítico. É claro que não só merecem, como se impõem a nosso exame. Afinal, o simples fato de algo ou alguém ser eventualmente popular por si só não significa que necessariamente seja bom, benéfico ou recomendável (não por acaso, a história da política e da cultura de massas está cheia de exemplos nesse sentido). Sabemos o quão inconstantes e efêmeros podem ser a aprovação e o gosto da maioria. Assim como a própria noção de maioria pode ser enganosa, unidimensional e transitória.
Mas por isso mesmo o fato de algo ou alguém ser objeto da aprovação ou da escolha de muitos não deixa de ser por si só relevante tanto em termos econômicos e sociológicos quanto políticos. Ainda mais quando vivemos em grandes economias de mercado e, especialmente, em regimes democráticos de massa, em que a regra de maioria é o principal instrumento, não obviamente de aferição do que é justo ou adequado, ou efetivamente representativo da "verdadeira vontade popular", mas sim de decisão para processos complexos de definição de regras comuns e alocação de poderes e recursos públicos.
Na literatura histórica, econômica e política, no entanto, o jargão possui longa trajetória, já tendo incorporado os mais diversos sentidos e conteúdos. Há muito, porém, parece ter assumido contornos quase sempre pejorativos e depreciativos.
Em primeiro lugar, é claro, em relação aos próprios protagonistas políticos, ideológicos ou culturais que muitas vezes interpelam e se valem das reservas de energia social, mal ou bem aproveitadas, de ressentimentos profusamente reproduzidos na vida social contemporânea, e até de demandas reais mais ou menos latentes e confusas para viabilizar seus projetos, ambições ou fantasias. Com más ou boas intenções e resultados.
Mas não há dúvida de que o alvo definitivo da acusação de "populismo", no fundo, é sempre o mesmo: o povo, ou melhor, a maioria, suposta ou real, que consagra ou pode consagrar, apoiar, estimular as posições e as lideranças "populistas".
Por isso, aliás, o fenômeno do "populismo" é histórica e especificamente contemporâneo e democrático. Ele se encontra indissoluvelmente atrelado a processos democráticos decisivos de formação e manifestação de escolhas e preferências individuais agregadas ou coletivas de grande magnitude e capacidade de incorporação popular – seja qual for a substância ou consistência mais ou menos equívoca e transitória destas – e, é claro, também ao aspecto competitivo inerente aos meandros dos grandes mercados, políticos, econômicos e ideológicos. O que obviamente implica o risco e a efetivação de freqüentes derrotas particulares e ideologicamente perspectivadas, à cada "escolha" ou "decisão" da massa "populista".
Hoje, como de hábito, o "conceito" é novamente manipulado, a torto e a direito, para se referir a fenômenos que rigorosamente podem não ter nada em comum (exceto, obviamente, uma certa e incômoda popularidade mais ou menos circunstancial ou relativa). Assim, por exemplo, podem acabar no mesmo saco, de um lado, a defesa de policies (re)distributivas, ou a tentativa de preservação de direitos políticos e sociais arduamente adquiridos, mesmo que eventualmente problemáticos, e, de outro, a propagação de libertarismos pseudo-meritocráticos a favor da atomização mais ou menos anômica de indivíduos "livres" que assim, via automatismos de mercado, nos conduzirão, finalmente, ao paraíso do crescimento por alocação espontânea, ótima e natural de recursos, ou a um ideal de completa liberdade e auto-realização individual, digna de um episódio do Discovery Channel sobre a lei do mais forte e a dramática luta pela sobrevivência na selva.
Mas o mecanismo subjacente parece ser sempre o mesmo: eu, o interlocutor que me valho do epíteto e com ele rotulo o objeto de meu desagrado o faço não apenas no sentido da crítica, mas principalmente como modo de expressar a minha superioridade ética ou intelectual – em geral, dá no mesmo – em relação às razões ou motivos que conduzem as bases "populistas" a apoiar e escolher suas lideranças, teses ou demais commodities. Pouco se me dá se existem razões maiores e objetivas para tais "equívocos".
Afinal, o que me importa mais, realmente? Compreender a realidade ou simplesmente reafirmar – em especial, para mim mesmo – a justeza e o acerto das minhas convicções (que, eventual e infelizmente, acredito relativamente minoritárias e em desvantagem competitiva diante de adversários ou rivais "populistas")?

(E com essa, me despeço sem saudades de 2017. Desejando a todas e a todos – mesmo contrariando todos os prognósticos – um feliz 2018!)

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Historinhas III (ou quebrando a cabeça em busca de um anti-Lula mais confiável)

Assim como a maioria dos meus colegas, gosto de me divertir analisando pesquisas de intenção de voto. Mas tem horas que fica cansativo.
A última pesquisa Datafolha sobre a corrida presidencial para 2018, por exemplo: (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/12/1940171-lula-lidera-e-bolsonaro-se-consolida-em-2-aponta-datafolha.shtml) são tantas as simulações, com esses ou aqueles candidatos, que você bem pode se perder (ou se entediar) em meio a tantos números, variáveis e tentativas de interpretação.
Um aspecto, porém, chama logo a atenção: é a sutil diferença entre as simulações, com esse ou aquele conjunto, mas em que Lula lidera com maioria relativa ou (quase) absoluta de intenção de votos. Ou seja: embora as diferenças de votos para o favorito nas simulações sejam aparentemente pequenas, variando em torno de 34, 37 pontos, isso pode fazer toda a diferença entre haver ou não um 2º Turno – presumindo-se, é claro, que deixarão o petista concorrer e que as tendências atuais do eleitorado se manterão daqui pra frente. De qualquer modo, é com base nos dados atuais disponíveis que em grande parte têm de se basear os cálculos eleitorais no presente mais imediato. Não apenas os dos partidos e eventuais candidatos, é claro, mas também os dos grandes grupos e atores sociais com poder de influência e igualmente grandes expectativas em relação ao jogo. Aliás, não é por outra razão que a pesquisa busca sofregamente dar conta de praticamente todos os cenários possíveis, como que a buscar ansiosamente uma resposta às óbvias perguntas: quem pode bater Lula (se o Judiciário não o abater)? E qual o custo? Ou seja: diante das várias alternativas, qual a viabilidade das mais palatáveis (ou menos indigestas)?
Seja como for, algo que se pode especular é justamente acerca das implicações de um cenário mais ou menos pulverizado de candidaturas e o que isso pode significar em termos de incerteza, riscos relativos e oportunidades. Quanto mais candidatos na simulação, menores as chances de que Lula possa faturar já no 1º turno. Teoricamente, uma boa notícia tanto para seus inimigos quanto para os "amigos" da esquerda que, porventura, sonham ocupar o espaço aberto com a crise do PT e as indefinições que ameaçam a nova candidatura do velho líder petista. Por outro lado, a proliferação de candidaturas presidenciais, além de ampliar o desgaste já grande do processo eleitoral em si, amplia ainda mais o grau de incerteza da disputa (basta lembrar a campanha de 1989, com sua miríade de candidatos e seu resultado pra lá de inesperado e não menos problemático).
Por isso mesmo, também não seria pequeno o abalo, em matéria de incerteza, risco e imprevisibilidade caso se confirme, mais cedo ou mais tarde – principalmente mais tarde – a exclusão de Lula da disputa. Dada a diversidade social, regional e ideológica da base de sustentação de sua candidatura – os atuais 34, 37% que se dizem inclinados a votar nele, hoje – não é tão simples assim imaginar quais poderiam ser os novos destinos desse contingente significativo de votos.
Não faltam bons motivos, portanto, para fortes dúvidas estratégicas, para todos os lados.
Mas não gostaria mesmo é de estar na pele dos membros da legião de "centristas", ou "liberais", apoiadores mais ou menos entusiasmados ou discretos do impeachment, que se incomodam com a dianteira de Lula, mas ao mesmo tempo se apavoram com a candidatura alternativa mais bem colocada em segundo lugar. Nem vou entrar no mérito das responsabilidades assumidas no passado frente aos riscos do presente e do futuro (além de cair, como sempre, em ouvidos moucos, agora já é muito tarde). Mas que parece uma típica sinuca de bico...
Não é pois à toa que certos grupos golpistas já se movimentam, prévia e precavidamente, em direção à própria mudança da forma de governo. Como era inevitável, segue seu curso desestabilizador a dinâmica posta em movimento desde a última eleição presidencial pelas engrenagens do golpismo, e ampliam-se exponencialmente os riscos e as incertezas para todos os atores do jogo. Inclusive os mais bem aparelhados para surfar na atual e interminável temporada de caça ao butim público e (re)privatização do Estado brasileiro.
Por essas e outras, de uma coisa podemos estar certos/as: mantidas as coordenadas básicas do jogo e do calendário, até a definição oficial das candidaturas, vamos ver e ouvir o diabo em matéria de possíveis candidaturas a presidente, uma mais estapafúrdia do que a outra.
E é claro que o risco maior é o de assim acabar se elegendo justamente o "próprio"....

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

A falácia e o arremate (ou fazendo o boi dormir)

Enquanto à Direita as forças oligárquicas seguem com seu cerco e sua investida subversiva ao Estado brasileiro e às suas instituições – pondo em prática suas políticas imediatistas de terra arrasada –, à Esquerda, diante de conjuntura tão deprimente, é compreensível que mentes mais ou menos atônitas lambam suas feridas e muitas vezes busquem consolo em velhas e requentadas utopias românticas, que muitas vezes rescendem a conhecidos "espontaneísmos", “basismos”, ou coisa parecida.
Longe de mim desprezar ou minimizar a importância das diversas iniciativas, mais ou menos informais, de organização popular, dos chamados movimentos sociais, nem muito menos as eventuais inovações em matéria de participação política coletiva, de base, virtual ou presencial, etc. Muito pelo contrário. Apesar de tudo, ainda é alentador saber quanta indignação, energia e criatividade pode ser mobilizada em defesa de direitos e valores civilizatórios importantes, mesmo num contexto geral tão adverso.
Mas poucas vezes parece ter se tornado tão flagrante o modo com que os hipócritas discursos pseudo-éticos, antipolíticos, antipartidários, antiestatais, ou antiinstitucionais, tradicionalmente manipulados pelas oligarquias, são capazes de engrupir tão habilmente incautos de ambos os lados do espectro político e ideológico (e me restrinjo apenas aos antípodas – direita, esquerda – porque o tal do “centro” já foi inviabilizado entre nós há muito tempo).
De um lado, creio que raras vezes nesse país o discurso primário da moralização terá servido tão bem à entrega incondicional do patrimônio público à voracidade de uma fauna sui generis de predadores. Tudo com o beneplácito aparvalhado de amplos setores sociais, que depois de aposentar suas panelas e sua santa indignação seletiva, se encontram agora prestes a entregar-se ao canto de sereia do reformismo inconseqüente, ou ao primeiro simulacro de salvador da pátria que apontar no horizonte (não é à toa, aliás, que a última "inovação" resgatada pela onda reacionária em voga do museu das mais infelizes quinquilharias políticas aposentadas seja a da tal "candidatura avulsa"; só falta mesmo a volta do voto censitário ou da eleição indireta em dois graus.... Oops!! Melhor ficar quieto e não dar idéia... sabe-se lá qual a última "novidade" que podem tentar nos impingir?).
Por outro lado, assistimos também ao nem um pouco surpreendente paralelismo de forças, de um extremo ao outro, decantando as vantagens do sacrifício do Estado e de seu intruso poder regulador, em nome das forças metafísicas do “mercado” ou da “sociedade civil”. Se uns apostam todas as fichas nas promessas vagas de imediato alívio econômico, pela via da institucionalização sem peias da selvageria capitalista globalizada, outros aguardam a ressurgência messiânica e mais ou menos espontânea das "massas oprimidas"– talvez à maneira efêmera e em grande medida enganosa de 2013 – ou a reencarnação de um novo e autêntico “agente revolucionário” (com um perfil mais “pós-moderno”, certamente).
E segue o baile.
Conhecendo exatamente, contudo, velhas e novas receitas de como perpetuar seus privilégios e oportunidades, as oligarquias não dão ponto sem nó. Após a conquista golpista do Poder Central, avançam em sua sanha, eliminando a legitimidade de qualquer forma de capacitação política popular e eficaz – principalmente via partidos, é claro – , além de preparar o que pode ser o golpe mortal da pulverização e neutralização do risco “populista” – melhor dizer, simplesmente, popular – com novo arremate de misericórdia: impondo ao país algum arremedo ou variante disfarçada do popularíssimo regime parlamentarista. Aquele já duas vezes rejeitado pelo eleitorado, mas através do qual se institucionaliza o acesso legal – e se possível perpétuo – ao poder para as oligarquias ruins de voto agregado em enormes magnitudes (como, por acaso, numa eleição presidencial brasileira).
Mas quem afinal se importa com instituições? Numa hora dessas, quem ainda acredita que valha à pena perder tempo refletindo e pesquisando sobre seus recursos e implicações? Que diferenças isso pode fazer agora?
Talvez não muita. Ou muito pouca. Sem dúvida, o contexto geral não ajuda, nem estimula.
Não nos iludamos, porém: assim como chegou onde está agora pela via – tortuosa, é certo, mas não menos eficaz – das instituições, é por meio delas que as oligarquias continuam e continuarão a exercer seu poder e a traficar com seus diversos lobbies.
Não somente porque aquelas as servem desigualmente bem (como se queixam – com forte dose de razão – as esquerdas).
Mas também porque sem elas, as tais das instituições, não se pode exercer, a rigor, poder efetivo e razoavelmente duradouro algum. Inclusive para modificá-las, as próprias instituições, e, é claro, o mais importante: a realidade na qual se inserem.
Esta lição nunca foi esquecida pelas oligarquias. Mesmo quando fingem desacreditá-la tão sistematicamente.
(E dormem os bois; mesmo com um barulho desses...)

sábado, 18 de novembro de 2017

Liberalismos, autoritarismos e outros "ismos" (inclusive os descaradismos, caradepauismos, etc.)

Minha querida mestra Ângela de Castro Gomes, colega de tantos anos de Cpdoc, deu entrevista para o Nexo Jornal com direito a uma pequena aula de raro e indispensável bom senso histórico, motivada pela última pérola de irrelevância discursiva produzida por Sua Excelência, o presidente preposto interino da ex-República, na qual ele teceu profundíssimos comentários sob certa tendência autoritária dos "brasileiros", de par com outras elucubrações inovadoras acerca das velhas e conhecidas oscilações entre centralismo e federalismo em nossa história (esse é um lado bom que ainda existe na prática do jornalismo, apesar de tudo: a oportunidade de ouvir a Ângela discorrer sabiamente graças a um pretexto irrelevante).
Não que as longevas e densas discussões sobre autoritarismos, liberalismos, federalismo, ou centralização política e administrativa no Brasil, sejam em si pouco importantes, ou inatuais. De modo algum. 
Mas quem pode levar a sério o discurso de Sua Excelência e se dar ao trabalho de realmente cotejá-lo com um debate tão rico e multifacetado como este, que há tantas décadas vem sendo travado em alto nível sobre as características próprias da trajetória política nacional, e as alternativas para ela, quando se atenta para a natureza da "ordem temerária", seus próceres e o conjunto de sua "obra" até aqui?
Como de hábito, a conversa fiada presidencial sobre autoritarismo, centralismo e que tais se dirige ao mesmo e inconsistente público-alvo: essa coisa ridícula que hoje se arvora no Brasil o epíteto de "liberais", e que insiste em nos fazer crer que estamos efetivamente diante de "reformas" consistentes e aptas a nos colocar em algum rumo que não o da reprodução em nova escala da velha barbárie nacional (com seus bolsões cada vez menores e mais ilhados de um simulacro de civilização moderna, ou pós-moderna).
Já se disse que o liberalismo no Brasil nunca passou de um grande equívoco. É possível que sim, ao menos em linhas gerais. Afinal, defender, à moda de um liberalismo econômico consistente, a igualdade de oportunidades, a livre-concorrência e a iniciativa privada produtiva em terra de escravocratas, mafiosos, especuladores e rent-seekers; ou, de outro lado, na seara mais própria do liberalismo político clássico, o primado do Estado de Direito, das garantias fundamentais e do respeito à Constituição e às instituições – em uma nação de golpistas, "autoritários instrumentais" e irresponsáveis castas prebendarias –, não são mesmo tarefas fáceis (que o digam, pois, os verdadeiros liberais brasileiros, de uma ou ambas as vertentes; com os quais, aliás, nunca pude concordar inteiramente, mas que muitas vezes respeitei como interlocutores sérios e comprometidos, à sua maneira, com a democracia e com o bem-estar do povo).
Não. Tudo indica que não se fazem mais, por aqui, liberais como antigamente.
Mas nesse ponto, pensando bem, porém, a fala presidencial sobre a República de fato não deixa de ressoar nosso passado e algumas de nossas tradições mais antigas. 
A fala de Itu, tal como poderá ficar célebre no futuro, evoca perfeitamente – e até geograficamente – uma época que julgávamos de muito superada: aquela em que oligarquias fechadas se digladiavam – com maior ou menor polidez – pelo acesso exclusivo ao poder de mandar e desmandar no país, servindo-se do Estado para suas negociatas, promoções predatórias de lucros artificiais – e quando necessário, socialização das perdas –, e tudo sob a fachada de um regime constitucional, à época aparentemente moderno, democrático e liberal. Em que, contudo, a luta política era muitas vezes resolvida na ponta da faca – quando não pela "degola" e via bico de pena – e na qual, por último, mas não menos importante, a chamada "questão social" era tratada como "caso de polícia".
A dúvida maior que fica, então, é mesmo de ordem histórica ou cronológica: até onde vai o furor reacionário e passadista da "Nova Ordem"? 
Pára em Itu e na Velha República?
Ou retrocede mais algumas décadas (ou séculos)?

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A agenda

Diante do Febeapá que prolifera incessantemente, não só via redes, mas igual e principalmente na ainda chamada “grande mídia”, o artigo publicado há semanas por Marcos Coimbra, na CartaCapital ("Lula abriu fogo"), com o compromisso do ex-presidente, se reeleito em 2018, de convocar referendos para todas as principais "reformas" aprovadas pelo "Governo Temer" e sua base, desde o impeachment de Dilma, é uma grata exceção e dá realmente o que pensar. Não somente pelo conteúdo da matéria em si – a promessa de Lula, sua importância e implicações –, mas principalmente pelo tom, diria otimista, com que o articulista parece avaliar a possibilidade não somente de que o líder petista possa, de fato, disputar a eleição, e de que uma vez vencendo – como hoje é apontado pelas pesquisas, nos lembra Coimbra – conseguirá realmente tomar posse, governar e, inclusive, convocar todos os referendos necessários para submeter a agenda da “Nova Ordem” ao teste da aprovação popular (que, realmente creio, assim como o autor, dificilmente obterão; ao contrário da solicitude irresponsável – pra dizer o mínimo – com que tais "reformas" vêm sendo acolhidas pelas maiorias golpistas no Congresso).
Gostaria imensamente de partilhar do otimismo do articulista, não exatamente, ou somente, no que diz respeito à provável rejeição das "reformas" pela maioria do eleitorado brasileiro, mas sim no que concerne a acreditar que a pré-condição política para tais referendos, ou seja, a vitória e posse de Lula – ou de qualquer outro candidato com o mesmo compromisso – possa ser satisfeita no contexto atual de perversa subversão das instituições.
Ou seja: a manutenção dessa agenda impopular de "reformas" e a neutralização a qualquer custo e risco das forças que possam obstá-la é justamente o que ainda mantém razoavelmente coesa a coalizão golpista. E é muito difícil acreditar que, diante de sua relativa hegemonia atual, qualquer alternativa que minimamente represente ameaça à primeira – a agenda – seja tolerada. Não surpreende, inclusive, que tal tema tão importante não tenha ocupado maior espaço na "grande mídia", como bem o mencionou Coimbra. Como diz o linguajar popular, a quem afinal interessa levantar essa lebre?
É uma pena.
Pois essa poderia – e creio, deveria – ser a principal agenda e debate delimitador, e definidor de posições na campanha presidencial que, até segunda ordem, teremos em 2018: a da manutenção e aprofundamento desse conjunto de "reformas" e do retrocesso e desastre que ele promete para o futuro mais e menos imediato desse país, ou de uma busca – ou retorno – a alternativas de políticas que realmente recoloquem o Brasil no rumo de um crescimento com o mínimo indispensável de autonomia nacional, forçosa (re)democratização política e redistribuição da renda. A proposição de tal agenda de debate, aliás, já seria uma boa justificativa, tanto para o movimento do ex-presidente, quanto para a tentativa do articulista e seu veículo atentarem para o fato e nos informar a respeito (um bom – e assustador – resumo das implicações de partes da atual agenda de "reformas", nos foi fornecido recentemente pelo Senador Roberto Requião (PMDB-PR)).
Infelizmente, porém, já sabemos que nada disso deverá ocupar as manchetes ou dominar a pauta oficial dos previstos e possivelmente futuros debates eleitorais.
Havendo mesmo eleições, a agenda de campanha que será privilegiada pelos golpistas e seus porta-vozes na "grande mídia", e que pela enésima vez vai se forçar goela abaixo do eleitor, será a mesma que os reacionários e seus seguidores analfabetos políticos privilegiam, desde sempre: que o grande problema do Brasil, a ser resolvido pelo futuro Salvador da Pátria, é a velhíssima corrupção, e/ou a voracidade da bête noire do Estado regulador.
Que só existe uma única, repisada (e desastrosa) saída para as crises nacionais: aquela que, de um modo ou de outro, passa necessariamente por poupar as classes mais privilegiadas, escancarar as oportunidades para todo tipo de negociata predatória, deixando que todos os custos afinal recaiam sobre o mesmo e velho lombo dos pobres e da classe média (inclusive das legiões que embarcaram e ainda embarcam na esparrela da "passagem do Brasil a limpo!"– limpo sim, mas só se for de qualquer alternativa real de desenvolvimento econômico e social dignos desses nomes). E que se os mesmos pagadores de sempre não puderem ser convencidos a escolher por vontade própria assumir tais encargos – elegendo os candidatos favoritos da banca –, que se retire deles, enfim, o estorvo chamado voto e o que ainda restar das demais ilusões de soberania popular.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Historinhas II (ou, brincando – de mau gosto – com os números)

Segue em pleno vigor o festival de desfaçatez que assola o país.
Se na semana passada fomos brindados com tentativas ridículas de tapar o sol com a peneira – questionando-se os índices de desaprovação do Exmo. Presidente da República (“já que vai tudo tão bem! Como é possível alguém desaprovar o "governo"?!”) – logo em plena segunda-feira a Folha de S.Paulo destaca em sua edição que "Maioria do país quer Lula preso e Temer processado".
Embora não possa surpreender ninguém o destaque negativo dado ao noticiário sobre o ex-presidente (e agora também ao atual), dessa vez, porém, fiquei encafifado com a manchete. Afinal, não foi o próprio DataFolha, do mesmo grupo empresarial, que tornou pública, também na semana passada, nova pesquisa de intenção de voto na eleição presidencial prevista para o ano que vem, apontando Lula como favorito em todos os cenários previsíveis? Como é possível que a maioria do eleitorado demonstre, simultaneamente, intenção de eleger presidente e de ver preso o mesmo personagem?
Não, querido leitor. Não culpe o eleitorado (como é habitual no Brasil).
Nem culpe os números (e no caso, o DataFolha).
A confusão – intencional ou não – é de responsabilidade única e exclusiva do jornal.
Pois basta olhar não a manchete, mas sim os números no texto da própria matéria para perceber que, sim, é possível – ao menos no Brasil de hoje – que uma parcela considerável do eleitorado se disponha a reeleger Lula, enquanto que outra, também significativa, queira vê-lo atrás das grades (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/10/1923447-brasileiro-quer-lula-preso-e-aval-a-denuncia-contra-temer.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsfolha).
Deixando de lado a problemática hipótese – improvável, mas não de todo impossível – de que possa haver alguma interseção entre os dois contingentes, o problema conceitual mais evidente se encontra na própria noção de "maioria". Afinal, de que maioria se está falando? Maioria simples, absoluta, qualificada, ou quase unânime? Sem dúvida que o uso do termo – maioria – já é em si relevante. Mas as palavras enganam (manchetes de jornal, então...). Por isso é preciso prestar um pouco mais de atenção (inclusive porque já na abertura do texto linkado acima o autor da matéria não tem nenhum escrúpulo em transformar a tal "maioria" de entrevistados numa entidade um pouco maior, quase mítica e universal: "o brasileiro", que, segue a missiva, "defende a prisão" de um, assim como "o prosseguimento da denúncia" do outro).
Pois não pode haver nenhuma dúvida com relação à malandragem da edição jornalística quando se comparam, no próprio texto da matéria, as diferentes "maiorias": a pró-prisão de Lula (cerca de 54%) com a dos que querem ver Temer devidamente investigado: 89%! Ou seja: o que a manchete "iguala" é francamente problematizado pelo próprio texto. A não ser, é claro, que se julgue que "maiorias" de 54 ou de 89% não fazem a menor diferença! Ou que os 40% minoritários que se manifestam na mesma pesquisa contra a prisão de Lula possam ser facilmente comparados e equalizados aos 7% contrários a um eventual aval da Câmara para processar Temer. Há portanto uma "pequena" diferença entre o "brasileiro" que já condenou Lula e o que quer ver Temer sendo processado, e uma diferença de magnitude um "pouquinho" maior entre os que não concordam com os diferentes ordálios que espíritos mais severos – talvez os eméritos juízes da Folha de S. Paulo e companhia midiática ilimitada – gostariam de ver aplicados a cada um dos personagens em questão, em sua desinteressada ânsia por justiça a qualquer custo,.
Deixando de lado a, digamos, infelicidade da edição da notícia, fica, porém, mais claro porque ambos os resultados com relação a Lula podem ser estatisticamente válidos: a maioria que hoje – ou semana passada – o elegeria, não é obviamente a mesma que o mandaria hoje para a cadeia. Está última parece se referir mais à dos que rejeitam terminantemente o líder petista, conforme a pesquisa de intenção divulgada na semana anterior.
Nesse sentido, se corretas as duas pesquisas de opinião – e nossa hipótese de leitura das mesmas – o que efetivamente as enquetes apontam, entre outras coisas, é para a profunda polarização nacional. Em especial no que diz respeito a Lula e ao PT.
Nada de muito novo, portanto. Bastaria, aliás, observar na matéria os dados desmembrados da pesquisa, principalmente no que diz respeito à renda e localização dos entrevistados para imaginar com boa margem de segurança quem são os típicos componentes de cada "maioria" ou "minoria" (assim como perceber a ideia um tanto quanto exclusiva – e excludente – de "brasileiro" que os jornalistas da Folha – e algures – provavelmente cultivam hoje em dia...).
Quanto à Temer... bem (sugiro humildemente a leitura do meu penúltimo post neste blog, justamente sobre a evolução de sua "popularidade", e cujo título é "Historinhas (brincando - mas não brigando - com os números").

domingo, 1 de outubro de 2017

Historinha (ou brincando - mas não brigando - com os números)

Análise de pesquisas de opinião é sempre um negócio arriscado. Ainda mais quando você não tem acesso a muitos dados, não pode desmembrar os índices agregados, nem pode sair a campo para testar hipóteses ou mesmo meras possibilidades de hipóteses.
Mas olhando a evolução dos números sobre avaliação do "governo"Temer, ao longo desse seu  tenebroso primeiro ano, não deixa de ser sugestivo o modo como eles parecem delinear uma tendência constante e ininterrupta de aumento da desaprovação.
À princípio, não poderia surpreender a ninguém em seu juízo perfeito que a dita "administração" atual tenha conseguido bater os recordes de avaliação negativa que até hoje eram galhardamente sustentados pelo há muito finado Governo Sarney (1985-1990), em seus deprimentes estertores (mais exatamente no ano de 1989, não por acaso o da eleição do ex-caçador de marajás, Fernando Collor de Mello – candidato, então, ao papel recorrente de salvador da pátria amada, salve, salve!). Com efeito, não pode ser minimizado o fato de que desde pouco meses após usurpada a presidência da República por Temer e chegando até a última pesquisa encomendada ao Ibope pela CNI ( https://g1.globo.com/politica/noticia/governo-temer-e-aprovado-por-3-e-reprovado-por-77-diz-ibope.ghtml ), os inicialmente razoáveis índices de  aprovação e confiança no "governo" seguiram sistematicamente despencando, aferição após aferição.
Mas como então interpretar tal fato levando-se em conta, porém, que não foram poucos os apoiadores da chegada dessa coalizão ao Poder – como ainda hoje existem muitos que, de um modo ou de outro a sustentam ou justificam (em geral, com argumentos tão convincentes e inspiradores quanto uma poesia de sua Excelência presidencial) –, assim como segue intacta e cada vez mais autônoma a agenda de mudanças que unificou o poderoso movimento golpista (a despeito de rusgas e rivalidades que acometem seus partidários, além, é claro, das diferentes apostas que vão fazendo em torno das eleições de 2018 – incluída aí, também, obviamente, a possibilidade de se impedir as próprias eleições, promovendo-se então outro golpe dentro do golpe)?
Uma historinha que pode dar conta dessas contradições é simples (mas espero que não faça nenhum boi dormir): a talvez não tão impressionante e constante deterioração da popularidade do "governo" Temer parece espelhar fielmente a reação e o desapontamento de relativa maioria do eleitorado brasileiro diante da promessa fajuta – alimentada ad nauseam pelos golpistas, suas claques midiáticas, et caterva de intelectualóides disponíveis - de que uma vez extirpada a praga petista do Poder, e sobrevindo a isso uma nova coalizão partidária devidamente sólida em torno do novo capataz e seu competentíssimo e abnegado projeto de salvação nacional, todos os problemas econômicos do País se resolveriam automaticamente, e, por último, mas não menos importante, toda a desenfreada e desnuda corrupção seria castigada e suprimida (porque, afinal, qualquer criança brasileira "bem informada" sabe que a malversação de recursos públicos em Pindorama é não somente uma invenção do PT, como exclusividade de seus governos!).
Assim, bastou por um lado que o bolso da maioria dos cidadãos não apresentasse os devidos e esperados sinais de redenção. E nem mesmo as alvissareiras novas de redução da inflação e de queda dos juros parecem ter surtido, por enquanto, grandes impactos (já que vá lá explicar a um desses bem alimentados dândis televisivos da economia engravatada que para o comum dos mortais sem crédito e acesso ao sistema financeiro a redução da taxa de juros não chega a entusiasmar, ou que a redução da inflação pode não fazer tanta diferença assim, dependendo dos itens que compõem a média ou do patamar inicial dos preços que, eventualmente, param de subir ou mesmo descem; ainda mais, é óbvio, se você não tem nem salário digno nem rede de proteção social que lhe permitam consumir...).
Quanto ao fim da corrupção... bem. Alguém já disse, e outros repetiram, ao longo dos últimos quinhentos anos - ou seriam mil, dois mil? - que neste assunto o dito cujo fica um pouco mais embaixo.
Que o digam sua Excelência, sua qualificadíssima entourage, suas bases pra-lamentares, e os implacáveis defensores da moral pública e palmatórias da humanidade, na mídia, no Ministério Público, no Poder Judiciário. Graças à ação patriótica e perfeitamente harmônica de todos, o cidadão brasileiro cada dia sabe melhor o quão pode dormir descansado com relação a seus direitos fundamentais e ao destino seguro e eficaz do imposto que com tanto suor e alegria destinou aos encargos da "gerência".
Junte-se afinal, a tal enredo edificante que nos vem sendo legado há coisa de um ano pelos novos líderes da República, o conjunto portentoso de medidas e reformas que eles vêm promovendo com tanta presteza e espírito público, para o bem de todos e felicidade geral, e ainda caberia, mais uma vez, perguntar: é possível ter alguma dúvida dos porquês de tais índices de aprovação e confiança?

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O Centro impossível

Desde o marco temporal inicial da crise atual – a aceleração da articulação política golpista, cujo desenlace foi o impeachment de Dilma – chama-me a atenção a angústia com que razoavelmente bem-intencionados espíritos tentam se equilibrar em algum ponto intermédio entre os que defenderam, de um modo ou de outro, a suspeita intervenção "cirúrgica" – para salvar a Pátria e sua economia saudabilíssima dos sanguinários bolivarianos populistas petistas (sem falar, é claro, dos velhíssimos, terríveis e incorrigíveis comunistas ressurretos) – e aqueles, ditos "esquerdopatas", ou "democratopatas", que, como eu, independentemente de diversas simpatias e antipatias partidárias e ideológicas, de um jeito ou de outro não aceitaram ver as instituições democráticas internamente subvertidas e a Constituição rasgada e achincalhada.
Se, no princípio, confesso, não tive muita paciência para com tal espécime de criatura indecisa ou volúvel – diante da clara e evidente ameaça institucional e social representada pelo golpismo -, hoje me sinto mais movido por uma sincera compaixão por eles, em especial aqueles que já se arrependeram por, de um modo ou de outro, subscrever o golpe. No mínimo, porque talvez se deram conta de que a emenda – ou seja, o novo status quo – consegue ser infinitamente pior do que qualquer diagnóstico negativo passado, dos mais tendenciosos, inclusive, sobre o "soneto" (quer dizer: o Brasil sob o governo legítimo de Dilma).
Mas a falta de paciência prévia e a compaixão atual derivam ambas da mesma e singela razão: nossa situação é tão grave que não há propriamente posição intermediária possível.
O chamado "centro" político se encontra hoje, a sério, rigorosamente inviabilizado. Mesmo que alguém ainda queira localizar algum resquício de legalidade no impeachment, qualquer tentativa de justificar o "programa" de "governo" posto em prática pelos usurpadores – e que não seja um caso incurável de polianismo político, ou, obviamente, fruto de puro fundamentalismo doutrinário neoliberal – só parece passível de compreensão na medida em que o justificante tenha ele próprio acesso e interesse material imediato e míope no escancarado porém exclusivo clube de negociatas instituído pelo "governo" (o que, convenhamos, não é coisa que se aplique à realidade econômica da maioria esmagadora dos mortais, inclusive muitos dos eventuais centristas ou direitistas mais ou menos empedernidos na justificação do golpe).
Ou seja: a subversão dos marcos institucionais e o derretimento do pouco que restava da credibilidade da Lei e seus operadores não se restringe ao jogo da chamada política oficial (onde já seria suficientemente grave). Não. Os belos exemplos de comportamento público proporcionados dia a dia justamente por aqueles que mais deveriam zelar por sua "autoridade" atingem em cheio as bases de civilidade, ou "cordialidade" que ainda teimavam, e às vezes ainda teimam em tornar a vida cotidiana minimamente suportável e viável nesta sociedade. Tanto que é difícil dizer o que mais contribui para o esgarçamento do tecido social e o crescimento da violência e insegurança sociais, num contexto que a tradicional e portentosa desigualdade brasileira desde sempre já tornou suficientemente problemático: se o vôo de galinha da economia nacional – pilotada pelos "austeros" condutores da tecnocracia planaltina – ou o show de cafajestagem explícita e vale-tudo com que somos brindados exaustivamente pela novela tediosa e interminável das denúncias e "investigações", cevadas pelo pagode de uma nota só da cobertura "política" midiática e seus imparciais artífices.
Mas o que torna cada vez mais exíguo o espaço reservado a uma tentativa de posicionamento ao "centro" – para além do naufrágio das instituições e o desprezo crescente de qualquer coisa que pudesse ainda sugerir as simples idéias de equilíbrio ou tolerância – é que o rolo compressor de aniquilamento de direitos e do que seja lá que ainda possa ser considerado de natureza Pública nesse país, repele forçosamente quaisquer forças políticas e sociais atuantes para os extremos do espectro ideológico e estratégico.
Não há meio termo que resista diante do verdadeiro centrifuguismo imposto não somente via radicalismos irresponsavelmente insuflados, há anos, pelo moralismo golpista, mas agora também estimulado pela política de terra arrasada patrocinada ininterruptamente pelo "governo" e suas bases, com as devidas colaborações marginais dos oportunistas da hora (igualmente marginais em sua representatividade e origens sociais).
Não está constrangedoramente exposto apenas o Rei, com sua roupa "nova". Mas também toda a corte e os inumeráveis penetras e cronistas bajuladores do baile.
Não há espaço, pois, para nenhum centrismo, eqüidistância ou "terceira-via", nem muito menos para pseudo-outsiders, com sua conversa fiada de idoneidade moral, competência técnica, antipartidarismo e suposto apoliticismo.
Só para oportunismos da mais variada espécie.

domingo, 27 de agosto de 2017

Metástase e oportunismos

Como entender os solavancos a que somos submetidos dia após dia pela nova coalizão usurpadora e sua agenda?
Diante de tamanhos absurdos e temeridades – desculpe, não dá pra evitar... – fica difícil não começar a acreditar em teorias conspiratórias e achar que tudo faz parte de um mesmo pacote de verdadeiros crimes contra o interesse popular devidamente premeditados e inseridos, de saída, nas origens do projeto golpista consumado há um ano (mas possivelmente preparado, ou cultivado há mais tempo).
Pode ser.
Mas além do habitual desprezo que nutro por esse tipo de construção narrativa, e da incorrigível desconfiança com relação a grandes apostas na consistência e racionalidade de processos históricos como esse, atribuir tamanha sistematicidade e previsibilidade aos golpistas e a seus atos me soa como uma indevida atribuição de competência e antevisão ao que segue me parecendo muito mais uma conjunção trágica de oportunismos míopes de uns com complacência criminosa de outros, completando-se o quadro sinistro com apoios inconsequentes de miríades de setores sociais inseguros e ressentidos, movidos por ansiedades imediatistas, temores ou preconceitos tacanhos.
Na verdade, acho que a melhor metáfora para a situação atual é clínica: a sociedade brasileira, vitimada que foi, inicialmente, em seu centro nervoso de comando por um autêntico tumor maligno – o golpe – é hoje um corpo acometido de verdadeira metástase institucional, e que, de tão debilitado e desprotegido em suas usuais defesas imunológicas, tornou-se presa fácil de todo tipo de infecção oportunista.
Assim, creio, se pode ter um melhor entendimento ou imaginação da sequência ininterrupta de novos horrores com que temos de conviver há meses. Das "reformas" mal-ajambradas e à toque de caixa, ao desmonte e à rapinagem ansiosa do patrimônio público – travestidos eufemisticamente de "privatizações" –, além do escancaro ao assalto ambiental e à exploração predatória de reservas minerais estratégicas, por exemplo.
O fato é que o sôfrego balcão de negociatas instituído pela nova Situação consegue superar qualquer previsão pessimista em matéria de dano incalculável ao país e a seu futuro.
E pensar que todo o caminho para esse inferno foi pavimentado com as intenções, até mesmo boas, dos moralistas de ocasião e sua legião de incautos – ou simplesmente hipócritas – seguidores, que diziam pretender "passar o país a limpo" (pois não é que o estão "limpando" mesmo?!).
Seja como for, o quadro clínico deprimente está aí consolidado. De modos que, aparentemente, nem mesmo uma tardia remoção do tumor original parece ser mais suficiente para a regeneração do organismo comprometido.
As únicas esperanças parecem resistir num segundo, ou terceiro diagnósticos (e confesso que adoraria estar completamente enganado). Ou na ação, à essa hora milagrosa, de algum tipo de anticorpo que ainda pudesse se manifestar, a partir, quem sabe, do que resta de saúde neste gigantesco enfermo.
O certo é que não parece haver "equipe médica" ou "tecnologia de ponta" (administrativa, econômica ou institucional) capaz de, sozinha, operar o milagre. Se o paciente de algum modo não reage...

domingo, 13 de agosto de 2017

O bode (rides again)

Como era de se esperar, tudo leva a crer que a introdução dessa excrescência apelidada de "distritão" na atual reforma política – ao que parece, somente para as próximas eleições (a partir de 2022 utilizaríamos uma versão tupiniquim de sistema misto alemão) – não passa de picaretagem casuística da grossa. Mas também não se pode excluir a possibilidade de se tratar, mais uma vez, da velha artimanha de se colocar o bode na sala. Na republiqueta dos neo-golpistas tudo é possível.
Para quem ainda não sabe, o “distritão” seria aquele sistema em que o eleitor vota em candidatos individuais para as Câmaras e Assembleias, e se elegem os mais votados individualmente. Ponto. Ao contrário do que ocorre hoje, no sistema proporcional de lista aberta, porém, neste novo formato os candidatos disputam e se elegem independentemente de seus partidos e, em grande medida, contra eles. Ou seja: depois de se discutir durante anos diversas outras formas de reforma das nossas eleições o Congresso pode estar se preparando para ratificar justamente a provavelmente pior delas. Sinal dos tempos. 
Seja como for, há muito estou convencido de que reforma política é como aquele velho clímax de filme de aventura em que se está diante de um evento ou passagem que só ocorre ou se abre de tempos em tempos, de acordo com a incidência dos raios do sol em um determinado ângulo, e na estação do ano pré-determinada, ou conforme conjunções astrais muito especiais, e que tentar levá-la adiante fora de tais momentos é inviável ou muito perigoso.
O momento atual, então, que talvez como nenhum outro, há muito tempo, pode nos levar a sonhar ardentemente como uma reforma política salvadora, e que nos livre do interminável filme de horror em que fomos inseridos há alguns anos, é certamente um dos menos propícios e recomendáveis para se tentar algo do gênero.
Primeiro, porque de um ponto de vista puramente técnico – se é que tal coisa é possível em matéria de política – poucas tarefas são mais ambiciosas, complicadas e arriscadas do que tentar reformar um sistema de representação. São tantos os fatores a se levar em conta, tantos objetivos possivelmente contraditórios que se tem de conciliar e articular, e tão controverso o capital de conhecimento histórico e teórico que se necessita mobilizar para não se correr o risco de reinventar rodas inadequadas, ou simplesmente quadradas, que não raro a necessária prudência do especialista acaba se convertendo em desânimo, inação e desistência.
Mas é no próprio terreno da política real que se encontram os maiores obstáculos a uma reforma política efetiva e produtiva. E nem sempre é de se lamentar.
Os obstáculos da política à sua auto-reforma, ou ao menos do seu crucial sistema de representação, se referem, obviamente, ao fato de que é muito difícil se chegar a algum consenso sobre o que e como reformar, dada a mais do que provável diversidade e antagonismo de interesses no desenho das regras do sistema, em função da pluralidade e variedade de formas e condições de disputa política concreta na sociedade. Quanto mais fragmentada, diversificada e desigual a realidade social, econômica, ideológica e regional a ser representada pelo sistema político, mais difícil o acordo em torno de regras novas que certamente poderão abrir novas perspectivas de oportunidades para certos atores do jogo, ao mesmo tempo em que podem representar grandes ameaças aos recursos e posições de outros. Partindo do pressuposto razoável de que nenhum ator político minimamente racional vai apoiar mudanças de regras que possam vir a prejudicá-lo em futuro mais ou menos imediato – ou que em caso de séria dúvida e considerável incerteza tenda a trocar o conhecido pelo incógnito – é de se imaginar que em contexto de grande diversidade e pluralidade de forças políticas, dificilmente se poderá superar impasses e vetos a qualquer reforma digna desse nome, sem a intervenção de algum ator, ou atores estratégicos – como, eventualmente, um líder de Executivo popular, à frente de maiorias partidárias fortes – que possam articular e negociar termos e apoios em direção a um projeto minimamente consensual e majoritário. Não precisamos refletir muito para perceber que se a primeira condição problemática – a da fragmentação e do pluralismo – se encontra fortemente presente em nosso país, o segundo pré-requisito, o de solução – dependente da agência de uma forte liderança política e institucional popular – parece ao menos um "pouco" prejudicado no contexto atual.
Digo, contudo, que nem sempre é de se lamentar tal tipo de impasse porque, assim como tenho, tal como muitos colegas, as minhas preferências em matéria de reforma, tenho ainda mais simpatia por várias formas de pluralismo, e por equilíbrios relativos de poder em regimes razoavelmente democráticos: daqueles que dificultam ações apressadas, temerárias (com duplo sentido, por favor!) e danos irremediáveis. Também desconfio muito dos "rolos compressores", das "administrações extraordinárias", de fanatismos reformistas ou revolucionários, de vários matizes, e simplesmente abomino "regimes de exceção", etc. E na tormenta que estamos atravessando, com esses "timoneiros" a bordo, melhor nem pensar por quais rotas seremos levados a navegar.
Ou seja: certamente acho que nosso sistema eleitoral precisa de reformas e, se possível, rapidamente (mesmo admitindo, porém, que não existe reforma ou panaceia institucional capaz de, por si só, nos livrar da crise atual; como diz o velho ditado, "the hole is far...").
Mas de qualquer maneira, se for para deixar o bode na sala, melhor nem deixar ele entrar.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

De contrastes e contragolpes


"Such a parcel of rogues in a nation...", 
(Robert Burns, 1791)

Não vou me alongar agora sobre a já fartamente prevista e denunciada consumação da perseguição sistemática contra Lula pelo arremedo de Torquemada de Curitiba. O argumento, o roteiro e o desenrolar desse enredo vergonhoso já são bem conhecidos e quem quiser continuar acreditando que isso faz parte de um simples processo normal de moralização pública que faça bom proveito. Sempre há ingenuidade e justificativa para tudo e para todo o tipo de preconceito e autoindulgência nesse mundo.
Prefiro me dedicar a coisas mais graves (afinal, essa aberração jurídica certamente terá muitos desdobramentos ainda, antes que o seu objetivo final, a inviabilização da candidatura de Lula nas próximas eleições, possa ser garantido)
Retomando o fio da discussão sobre a "reforma trabalhista", porém, creio que é difícil saber o que é mais desastroso: o conteúdo aparentemente tosco e mal-ajambrado do conjunto de itens que compõem o monstrengo, ou a igualmente aparente coesão do bloco político heteróclito que impôs ao país essa arapuca. 
No que se refere ao conteúdo da reforma, à parte o claro e principal direcionamento no sentido de eliminar qualquer forma de proteção ao trabalhador - seja com apoio sindical ou por intervenção da Justiça -, em sua óbvia e extremamente desigual posição de barganha frente ao empregador, chamam a atenção os penduricalhos que parecem atender a todo tipo de interesse "empresarial" ultra-específico e suspeito. Na verdade, só um objetivo geral parece saltar aos olhos: oficializar, legalizar e, portanto, estender abusos de poder e informalidades já fartamente praticadas no "mercado" e excluir qualquer forma de mediação do Poder Público que não seja em ratificação ao poder concreto, informal e arbitrário dos patrões. Ou seja: se antes a grande maioria de nós já vivia, de fato, sob uma forma particularmente perversa de "capitalismo selvagem", agora tudo indica que muitos mais viveremos, de direito, sob alguma forma de exploração e promoção ainda maior de exclusão e desigualdade, cujo conceito ainda me escapa (ou, na verdade, é tão antigo, tão digno dos tempos de outros "modos de produção", que já o havia esquecido). Não há mais nem como soar cômicas as manifestas apostas - não se sabe se efetivamente ingênuas ou cínicas - que se ouve aqui e acolá acerca dos possíveis efeitos virtuosos dessa "reforma" numa futura geração de renda e empregos, e na retomada do crescimento (será? Talvez daqui a décadas, quando finalmente toda a economia nacional se adaptar a tais mecanismos "meritocráticos" de busca da eficiência e produtividade, e nos legar seus tão ansiosamente aguardados benefícios coletivos de modernização e bem-estar - comprometidas, é claro, apenas algumas gerações dos brasileiros mais vulneráveis, sacrificados no meio do caminho em prol de fins tão nobres....). 
Já no que diz respeito ao bloco político, há várias razões que poderiam nos ajudar a explicar a sua relativa força e eficácia pra-lamentar. Algumas são perfeitamente corriqueiras e inerentes ao sistema: como a fidelidade das bancadas hoje majoritárias a suas diversas e economicamente poderosas clientelas, assim como a relativa consistência programática das primeiras - consistência mais ou menos ideológica ou fisiológica, não faz tanta diferença -, assim como sua habitual subserviência diante da caneta afiada de um Executivo desprovido de pruridos protocolares, o principal responsável, afinal, pelo controle e avanço destrutivo da atual agenda. Outras, de fato, exalam aromas ainda menos agradáveis, relativos às moedas de troca literalmente mobilizadas para garantir senão as próprias reformas, ao menos os requisitos de poder necessários à continuidade das mesmas - como, aliás, o ilustram os transes patéticos por que passou a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na semana passada (mas que importa, afinal, diante de outros fatos realmente graves, como "pedaladas fiscais"?).
Isto nos leva, porém, ao ponto crucial: o dos contrastes entre a pusilanimidade, a canastrice e a sofreguidão dos líderes políticos do golpe e seus desdobramentos, assim como as tensões e rivalidades crescentes entre eles, de um lado, e a coerência de motivações e hegemonia política da agenda que promovem e representam, de outro. 
Sim: o golpe é representativo.
Ele não somente representa interesses bem delineados e específicos, como se move cada vez mais desembaraçadamente graças a omissões conhecidas e ao consentimento tácito - quando não o apoio entusiástico - de certos setores, maiores ou menores, de parcelas da chamada "opinião pública" (sem esquecer, é claro, a grande maioria da "opinião publicada"). 
Como em todo processo dessa natureza, contudo, é claro que tal unidade é mais aparente do que real, mais superficial do que profunda, mais contingente e efêmera do que duradoura. O que em geral lhe garante maior sobrevida e objetividade política, porém, não são outros fatores senão, de um lado, uma mistura de oportunismo com luta desesperada por sobrevivência - em contexto cada vez mais hobbesiano e anárquico de grande incerteza e miopia imediatista - e, de outro, a simplória e patologicamente oportuna eleição de algum inimigo comum, ou bode expiatório, ou ainda, eventualmente, a entronização de algum salvador da pátria ou crença miraculosa em algum princípio ou projeto, que possam atrair uma mobilização mais ou menos cega e irresponsável, no afã de se fugir a qualquer custo e o mais rapidamente possível do círculo vicioso das crises e da perda de referências ou apoios na realidade.
Certamente a grande maioria do povo brasileiro não se converteu subitamente às promessas metafísicas do neoliberalismo tupiniquim, nem igualmente dirige suas preces ao sucesso e à consagração da ilustríssima administração Temer, ou de um eventual arremedo de gabinete parlamentarista liderado pelo Democratas ou pelo Partido que ainda teima em se chamar da Social-Democracia Brasileira. 
Ainda assim, são estes e suas altas clientelas os principais beneficiários imediatos da reação em curso e das resultantes imediatas do transe a que há anos se submeteu nossa sociedade, ao revolver o lodo do seus reservatórios de temores e preconceitos, seu "volume morto", há tanto tempo esquecido e estagnado.
Sim. Eles dão as cartas.
Por enquanto.
Mas assim como a agenda do golpe se autonomiza - e hoje, indubitavelmente, já pode até prescindir de prepostos como Temer, Maia e cia. ilimitada - a pauta do contragolpe vai necessariamente adquirindo seus contornos inevitáveis e urgentes. E só o tempo poderá dizer como e quando o "legado" golpista em construção será efetivamente confrontado e superado.
Até lá, somente uma certeza: dificilmente conheceremos algo que possa ser efetivamente chamado de paz social ou estabilidade.

sábado, 17 de junho de 2017

"Depois que o tá ruim chegou, nunca mais melhorou..." (ou, bem que queria soar mais otimista no feriado, mas tá difícil)

Tá ruim e tudo indica que ainda vai piorar muito, antes que melhore.
Por quê?
Simplesmente porque independentemente do desfecho mais próximo da crise imediatamente atual, e que envolve diretamente o presidente da nova republiqueta, o golpe consumado no ano passado é muito maior, mais permanente e consistente do que seu ato fundacional – o impeachment de Dilma –, como também vai além do desempenho dos vários canastrões e picaretas que o promovem no proscênio da farsa tragicômica – mais trágica do que cômica – que domina esse país nos últimos, três, quatro, cinco ou, para ser mais exato, doze anos (desde que explodiu o famigerado caso do "mensalão").
Ele é maior porque ultrapassa em muito os marcos institucionais, que vêm sendo sistematicamente destroçados e sacrificados em seu altar de moralização hipócrita e seletiva – a Justiça Eleitoral é a mais recente vítima (auto) imolada do massacre –, maior porque mobiliza setores poderosos da sociedade brasileira, com efetivo apoio, mais ou menos inconsequente, de parcelas maiores, não tão poderosas, porém significativas, da mesma, e, por último, mas não menos importante, também porque se consubstancia, de um lado, numa pauta de "reformas" infelizes que, por assim dizer, se autonomizou, e, de outro, numa tentativa desesperada de controle da anarquia judicialesca, ambas se constituindo nos únicos e fundamentais pontos de convergência das legiões golpistas.
De modos que, seja qual for o destino mais ou menos imediato do "governo" Temer, tal pauta e tal desespero seguirão de um modo ou de outro em suas corridas desabaladas rumo à promoção do caos social e da inviabilização de qualquer estabilização política e recuperação econômica dignas desses nomes, e impedindo, particularmente, o retorno do que quer que que possa ser chamado sem constrangimento de ordem democrática neste país, por longo tempo.
É possível vaticinar sobre os vários desdobramentos possíveis da crise atual: continuidade zumbi do "governo" Temer (não necessariamente só até 2019), interrupção do mesmo e sua substituição por sucedâneo eleito indiretamente, ou, até mesmo, improvavelmente, por novo presidente eleito diretamente, etc.
Seja como for, contudo, isto de modo algum modificará o sentido profundo e principal do que nos aguarda: inviabilidade, por longo tempo, de um novo governo autenticamente popular, democrático, legítimo e, ao mesmo tempo, institucionalmente capaz de levar adiante uma agenda que não somente reverta as excrescências do legado Temer – tanto o já acumulado quanto o que ainda está por vir – mas recoloque o Brasil no devido rumo do crescimento sustentado com a imprescindível redistribuição da renda e combate à desigualdade. Em suma: efetivos governos mais à esquerda, únicos capazes de enfrentar os maiores desafios que há muito esse país impõe a seu povo e a seus dirigentes (quando os há).
Isso não deve ser interpretado como descrença ou desincentivo à mobilização popular ou à presente luta por "diretas já". Embora não tenha grandes esperanças com relação à tal empreitada, entendo, porém, que, por várias razões, ainda assim é uma opção melhor do que a continuidade mal-ajambrada do "governo" Temer, ou sua substituição por um mandatário tampão, eleito indiretamente por estas maiorias pra-lamentares que estão aí.
O que não deve é restar dúvidas quanto ao fundamental: podemos sim, ter governos mais ou menos híbridos de neoliberalismo de fancaria com puro reacionarismo oportunista – como o que temos agora, e possivelmente continuaremos a ter no futuro mais imediato.
O que não poderemos ter assim, ao mesmo tempo, é democracia e ordem.
E não porque tais termos sejam intrínseca ou inevitável e mutuamente excludentes. Infelizmente, não. Regimes democráticos mais estáveis, e em condições socioeconômicas mais favoráveis, podem até se dar ao luxo de eventualmente flertar por algum tempo com retrocessos em suas políticas públicas e apostas pra lá de duvidosas no poder demiúrgico dos mercados.
Mas jamais uma republiqueta de bacharéis casuístas, de escravocratas e golpistas, campeã mundial de desigualdade, irresponsabilidade e hipocrisia.

domingo, 23 de abril de 2017

De tragos, filósofos e esfinges

Não é possível entender a crise atual sem levar em conta as especificidades do contexto particular brasileiro.
Não é possível entender a crise atual sem levar em conta as dimensões internacionais, ou transnacionais do processo.
Não é possível entender a crise atual sem levar em conta o contexto histórico mais amplo que envolve tal processo.
É bem possível que não seja possível entender a crise atual completamente.
Nem agora, nem daqui a décadas, quando os historiadores futuros contarem nossas misérias.
Mas nós que a vivemos, não temos muita escolha.
Ou tentamos compreendê-la, ou seremos tragados por ela.
E há uma grande chance de sermos tragados por ela, independentemente do quanto possamos compreendê-la.
A rigor, já fomos tragados (e se me permitem a metáfora infame, também já estamos sendo expelidos por ela).
Um velho filósofo dizia que o processo histórico movia-se segundo os desígnios de certa "astúcia da Razão". Ele era esperto e muito criativo. Mas parece que um pouco distraído. Teria se esquecido de dizer muitas outras coisas, diria dele logo depois outro velho filósofo, seu discípulo. Em especial, creio, que a tal Razão astuta talvez fosse também um bocado perversa (acho que o discípulo discordaria de mim; para ele a Razão seria contraditória, "dialética", mas no fim tudo acabaria bem; sempre tive problemas com esses e outros filósofos e suas Razões).
Ou melhor: cada vez mais me convenço de que os antigos filósofos, da Antiguidade e até da Idade Média é que realmente sabiam das coisas. De um modo ou de outro, para eles, tudo sempre acabava mal. Mas renascia-se (aliás, teve um filósofo mais recente, próximo no tempo dos dois primeiros, que disse qualquer coisa a respeito; era um sujeito meio confuso e prolixo, mas gosto dele; mesmo sem saber se alguma vez o compreendi corretamente).
Seja como for, os filósofos parecem não poder nos ajudar muito a compreender tudo aquilo que mencionei acima e que julgo necessário sobre essa crise.
Talvez apenas sejam capazes de ajudar a lidar melhor com ela, cotidianamente, mesmo sem poder compreendê-la, e muito menos mudar seus rumos.
E talvez, nas circunstâncias atuais, não seja pouca coisa.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O paradoxo trágico da crise institucional brasileira (reflexões políticas inoportunas sob efeito de eflúvios momescos (ainda) tímidos)

A única instituição que poderia superar a atual crise política brasileira de modo minimamente razoável, e com os comparativamente mais baixos custos econômicos, sociais e humanos, é justamente aquela que menos tem chance de se apresentar. Talvez o crime mais imperdoável da pandemia moralista, jurisdiscista, economicista e fundamentalista que assola o país seja justamente o da demonização e inviabilização dos partidos políticos dignos desse nome, ou de qualquer coisa que se destine a cumprir a mesma finalidade.
E quando falo em partidos autênticos de modo algum pretendo reiterar a infeliz tradição idealista nacional que se habituou a lamentar não serem os partidos brasileiros tão fiéis aos modelitos abstratos e hipercorretos que sempre zelou por importar e cultivar. De jeito nenhum.
Ao contrário dessa renitente sociologia das ausências – uma das versões acadêmicas do onipresente complexo de vira-latas nacional – sustento que, sim, já tivemos grandes e autênticos partidos neste país. E há até pouquíssimo tempo atrás, inclusive.
Sim. Para não recuar demais no tempo, tanto o velho (P)MDB, quanto o PSDB de algumas décadas, e, é claro, o PT de anteontem (assim como uma pequena miríade de outras siglas), são exemplos de agremiações que já atuaram como partidos de verdade, capazes de buscar e até conseguir a realização de importantes objetivos políticos, com coerência programática, ação estratégica e considerável disciplina coletiva. Goste-se ou não dos resultados assim obtidos.
É claro que os puristas e chatos vão contra-argumentar citando fisiologismos, incoerências ideológicas, mudanças de rotas e alianças discutíveis nas trajetórias concretas desses e de outros exemplos do gênero. E sem dúvida, elas todas existiram, existem e continuarão a existir. Como tudo o que dura e importa na vida real e não na abstração dos modelos.
Mas nada disso impediu no passado, nem necessariamente impediria no futuro, que grupos articulados de indivíduos se unissem em torno de projetos comuns de poder e interferência efetiva na realidade, no sentido de alterar o rumo dos acontecimentos – ou preservar algo de valor que porventura estivesse sob ameaça – e assim produzir resultados práticos para toda a sociedade. Está, aliás, uma velha e ainda válida definição de partido político ou coisa parecida, creio (e desde que, é claro, fossem preservadas e respeitadas as regras básicas de competição que deveriam proteger a todos estes competidores).
Infelizmente, porém, nossa situação atual é tão lastimável que partidos políticos eficientes são tudo aquilo que, a rigor, não temos hoje, e que, a julgar pelo rumo dos acontecimentos, e pelas altissonantes vã-guardas politicamente indigentes que empurram hoje o país para uma longa noite sem rumo, tão cedo não teremos. Sem dúvida esse foi mais um belo serviço que devemos todos agradecer não só à reciclagem contemporânea das mais vetustas e hipócritas tradições antipartidárias brasileiras, mas também, por que não, à nossa querida mídia e à legião de intelectuais (!?) que nela pontificam diariamente, com sua autoridade técnica e moral insuspeita e seu proverbial (senão mesmo conveniente) desconhecimento basilar de teoria e história políticas. Pois que o mais evidente resultado da histeria moralista não é, obviamente, a instauração da "ética na política", mas, muito pelo contrário, o "salve-se quem puder", a captura de toda a ação partidária pelas imposições e urgências das cumplicidades que envolvem seus vários clãs, conventículos e máfias, e o escancaro das portas do Estado para toda espécie de rent-seeker e predador bem situado e privilegiadamente relacionado junto aos condôminos eventuais do poder. Ou seja: nenhum espaço para programas de políticas públicas mais abrangentes e dignas desse nome, e sim apenas um pregão de transações selvagens em torno do melhor quinhão do butim ou da manipulação mais imediatista e inconsequente dos marcos legais e (des)regulatórios. Com ou sem a embalagem grandiloquente e suspeitíssima de “reformas”!
O PT, a mais importante experiência de partido de massas em toda a diminuta história democrática brasileira, encontra-se destroçado. Parte por seus próprios erros, mas também, e muito mais, alvo da mais sistemática campanha de difamação e desconstrução que talvez já se tenha assistido por aqui. O PSDB e outras siglas hoje no poder, outrora também importantes, comprometeram tudo o que ainda restava do seu capital numa aventura inconsequente e na adesão a uma agenda política e institucional suicida. De modos que se vêm hoje inapelavelmente tragados pela mesmíssima tempestade que ajudaram a invocar contra os odiados rivais. Alguns de seus quadros e caciques podem ainda sonhar com alguma saída mais ou menos incólume do turbilhão atual (só a Providência – ou os arcanos esotéricos da Justiça e do Ministério Público – o sabem). Mas as legendas relegaram-se todas à vala comum do oportunismo imediatista, reféns de suas próprias culpas, cisões, receios, arapucas e disputas internas, e como tal se inviabilizaram para qualquer ação consequente. E assim serão lembradas – ou em breve devidamente esquecidas – pelos eleitores.
Quanto aos vários outros corrilhos de oportunistas, com suas legendas intercambiáveis, esses podem seguir usufruindo seus raros minutos de glória e vitórias mesquinhas, antes de serem definitivamente reduzidos à ignomínia ou insignificância histórica que sempre lhes foi e será destinada.
O mar definitivamente não está pra peixe.
Nem muito menos, para a ação consistente de grupos em defesa de interesses reais, certamente não universalizáveis, mas ainda assim capazes de interação produtiva de ordens sociais minimamente estáveis e previsíveis, e até marginalmente eficazes de um ponto de vista (re)distributivo. Os velhos e desprezados partidos democráticos de antanho.
É mesmo trágico. E receio que muito tarde.
Pois de fato parece que não resta muito antes que, afinal, a própria política e suas artes de negociação e acomodação de diferenças – completamente absorvidas e desfiguradas pelo vale-tudo atual – sejam definitivamente banidas em prol da demagogia mais deslavada ou do autoritarismo puro, simples. E inevitavelmente incompetente.

(melhor mesmo cair na folia e esquecer a realidade – ou refugiar-se de ambas, em boa companhia; pelo menos até a quarta-feira)

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Deriva

Não, você não bebeu demais, nem colocaram inadvertidamente alguma droga suspeita no seu copo. Você está irremediavelmente sóbrio.
A sua confusão mental não é simplesmente mental, muito menos exclusivamente sua.
O mundo realmente mudou. Talvez você tenha mesmo cochilado um pouco, ou distraiu-se enquanto tudo acontecia. Mas agora é tarde. Muito tarde.
Esqueça o universo com o qual estava acostumado, há tanto tempo.
Olhando à sua volta, eu sei, tudo à primeira vista parece igual. O mesmo sol, a mesma paisagem, os mesmos vizinhos e seus cães de estimação, o mesmo mau gosto musical em alto volume das festas de fim de semana.
Mas não se iluda.
Como diziam Milton e Lô, "nada será como antes"...
A princípio, o deslocamento inicial se deu de modo sutil, quase que imperceptivelmente.
Mas seus desdobramentos logo assumiram maior relevância e visibilidade.
Até que, em determinado momento... pronto! Tudo havia mudado. Como se da noite para o dia.
Na superfície das coisas, de novo, aparentemente, nada pareceria fora de roteiros já conhecidos e, até certo ponto, banais: mais uma crise econômica em escala e natureza globais, mobilizações populares súbitas, tão aparentemente avassaladoras quanto relativamente efêmeras, certas escolhas eleitorais ou plebiscitárias infelizes, novos demagogos e oportunistas no pedaço, mais um golpe de Estado ou coisa parecida em alguma republiqueta, conflitos civis e explosões de violência política, ou terror, matizadas, ou embaladas, por rivalidades étnicas ou religiosas, migrações em grandes números, devidamente rejeitadas por xenofobias e racismos ancestrais e redivivos, etc. Em suma, nada que já não tivéssemos visto antes ("and the parting on the left, is now parting on the right, and the beards have all grown longer overnight").
Mas talvez não antes com tamanha profusão, velocidade e aparente sincronia. Pelo menos não muito recentemente.
Eis aí um ponto a reter: a simultânea banalidade (do "mal"?) de todos esses fenômenos, de par com a forte sensação de que parecemos estar diante de poderosas forças tectônicas em movimento.
É claro que a essa altura alguém já tirou conclusões velhas e repisadas: “mas é claro que tais forças têm nome e são bem conhecidas: o “mercado”, o “sistema”, o “capitalismo”, etc”.
Tá legal. Pode ser.
Mas além de aparentemente explicar tudo, sem na verdade esclarecer coisa alguma, esse tipo de resposta pronta não nos deixa ver o que pode haver de excepcionalmente novo, ou inusitado, no contexto atual. Ainda que as tais forças profundas sejam basicamente as mesmas de sempre.
Ou seja: há algo ao mesmo tempo muito mais profundo, superficial e diferente nesta nova deriva continental (ou melhor, global). O planeta certamente deslocou-se para algo que indubitavelmente podemos chamar de direita, atraindo gravitacionalmente inclusive praticamente tudo o que se encontrava ao centro correspondente, e parece encurralar a consequente esquerda, ou nos seus pontos extremos, ou na mais desesperadora impotência.
Mas o estrago pode ser bem maior do que imaginam os novos (?) reacionários e suas claques desavisadas, em meio ao regozijo fugaz e inconsequente que suas vitórias, mais ou menos pirrônicas, proporcionam.
A deriva, tal como um tsunami, leva de roldão consigo as instituições conhecidas e tão lenta e arduamente cultivadas, o que ainda podia restar de sua legitimidade e, assim, suas frágeis, mas às vezes efetivas capacidades e recursos para lidar justamente com os males políticos, econômicos e sociais que nos afligem, e que certamente hão de se agravar e muito no futuro mais imediato.
Parafraseando o dito popular: estamos na selva (ou pântano) sem cachorro (e sem bússola, Baedeker, ou Google Maps).
Tal como o volume morto dos reservatórios esvaziados, as forças tectônicas que agora deslocam o mundo de seus eixos políticos e institucionais prévios sempre estiveram aí, antes, quem sabe recônditas e recolhidas, sob a superfície, a remoer seus ressentimentos, em sua relativa e cíclica marginalidade. Talvez intimidadas pela hegemonia enganosa dos democratas - mais ou menos convictos -, ou pelo autoconsciência, mais ou menos profunda, acerca da pusilanimidade e do caráter pernicioso de seus próprios sentimentos e ideias.
Faltava acordá-las e lhes permitir se assumir de público, reconhecerem-se a si mesmas em sua variedade e contingentes. Além, é claro, de agregar-lhes o assentimento tácito das grandes maiorias silenciosas, o entusiasmo das legiões de neófitos, a cumplicidade dos agentes institucionais irresponsáveis, e o adesismo dos oportunistas.
De fato, nada realmente assim tão novo sob o sol.
E no entanto...

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Trumbo (not Trump)


Só recentemente, aproveitando a folga de fim de ano, assisti a "Trumbo: lista negra", filme de 2015, do diretor Jay Roach, sobre a vida do grande roteirista de cinema americano, Dalton Trumbo. Um tanto quanto linear e previsível, a película, como diriam os antigos críticos de cinema, não obstante vale muito à pena, nem que seja pelo trabalho dos atores – como o indicado Bryan Cranston à frente –, pela divertida reconstituição de época e de certo momento da história do cinema, mas ainda mais pela oportunidade do tema.
Trumbo, o biografado, é um personagem que já desperta curiosidade, independentemente de suas atribulações políticas, pelo conjunto da obra e por chamar a atenção para a importância crucial da arte do roteiro cinematográfico. Além de ser responsável por clássicos como "A princesa e o plebeu" (“Roman Holiday”), "Spartacus" e “Exodus”, ele escreveu e dirigiu um dos mais perturbadores filmes de todos os tempos: o libelo pacifista "Johnny got his gun" (que no Brasil chamou-se "Johnny vai à guerra"). Publicado originalmente em 1939 como romance ambientado no pós Primeira Guerra Mundial, foi finalmente trazido para as telas somente em 1971 (quando os Estados Unidos ainda se encontravam engajados no desastre do Vietnã). Nas palavras de Trumbo, era uma tentativa – terrivelmente bem sucedida – de tornar mais eficaz, via emoções, mensagem que a razão inutilmente repete há séculos: que guerras são uma completa insanidade.
Mas é claro que Trumbo, o filme, gira em torno da perseguição que o personagem principal e tantos outros sofreram nos primeiros anos da Guerra Fria, quando a América foi tomada pela paranoia anticomunista. Retratado no filme como membro um tanto quanto romântico do PC Americano – como, aliás, era tão comum à época – Trumbo e seus companheiros da esquerda hollywoodiana pagaram um alto preço por desafiar a linha de frente da imbecilidade fascista que naqueles anos tomou de assalto setores do Congresso e da sociedade norte-americana. Preso por desacato à Casa dos Representantes (o equivalente americano da nossa Câmara de Deputados) ao invocar a Primeira Emenda da Constituição e a liberdade de expressão, diante de um comitê de investigação parlamentar truculento e recheado de figuras suspeitas – inclusive seu inquisidor-mor, que depois lhe faria companhia na prisão (só que condenado por corrupção) –, com a devida exploração midiática que as tecnologias da época permitiam, Trumbo ainda teve de amargar longos anos de clandestinidade, proibido que estava de ser contratado regularmente por qualquer estúdio, em função do veto da famigerada lista negra imposta sobre Hollywood pelas claques fascistóides que impunham suas vontades e seu jogo sujo de intimidações e tráfico de influências, sob o pretexto hipócrita e alarmista de combate a pretensas “infiltrações comunistas”.
Só por conta de tal contextualização histórica o filme já se mostraria altamente recomendável, e, infelizmente, cada vez mais oportuno. Não só na América, é claro.
Mas outro detalhe que tornou para mim particularmente emocionante a experiência de assistir "Trumbo" foi rever o charme inconfundível das velhas máquinas de escrever das décadas de 1940 e 50. As mesmas que meu pai batucava dia e noite, e com a qual também ele dava vida a seus personagens de ficção (só que a “Hollywood” do meu velho chamava-se Rádio Nacional).
Um brinde então aos ficcionistas de qualquer mídia, mais ou menos ingênuos, idealistas ou desiludidos, sejam eles comunistas, anarquistas, democratas, liberais, conservadores, ou rigorosamente inclassificáveis sob qualquer rótulo partidário ou ideológico.