quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Trumbo (not Trump)


Só recentemente, aproveitando a folga de fim de ano, assisti a "Trumbo: lista negra", filme de 2015, do diretor Jay Roach, sobre a vida do grande roteirista de cinema americano, Dalton Trumbo. Um tanto quanto linear e previsível, a película, como diriam os antigos críticos de cinema, não obstante vale muito à pena, nem que seja pelo trabalho dos atores – como o indicado Bryan Cranston à frente –, pela divertida reconstituição de época e de certo momento da história do cinema, mas ainda mais pela oportunidade do tema.
Trumbo, o biografado, é um personagem que já desperta curiosidade, independentemente de suas atribulações políticas, pelo conjunto da obra e por chamar a atenção para a importância crucial da arte do roteiro cinematográfico. Além de ser responsável por clássicos como "A princesa e o plebeu" (“Roman Holiday”), "Spartacus" e “Exodus”, ele escreveu e dirigiu um dos mais perturbadores filmes de todos os tempos: o libelo pacifista "Johnny got his gun" (que no Brasil chamou-se "Johnny vai à guerra"). Publicado originalmente em 1939 como romance ambientado no pós Primeira Guerra Mundial, foi finalmente trazido para as telas somente em 1971 (quando os Estados Unidos ainda se encontravam engajados no desastre do Vietnã). Nas palavras de Trumbo, era uma tentativa – terrivelmente bem sucedida – de tornar mais eficaz, via emoções, mensagem que a razão inutilmente repete há séculos: que guerras são uma completa insanidade.
Mas é claro que Trumbo, o filme, gira em torno da perseguição que o personagem principal e tantos outros sofreram nos primeiros anos da Guerra Fria, quando a América foi tomada pela paranoia anticomunista. Retratado no filme como membro um tanto quanto romântico do PC Americano – como, aliás, era tão comum à época – Trumbo e seus companheiros da esquerda hollywoodiana pagaram um alto preço por desafiar a linha de frente da imbecilidade fascista que naqueles anos tomou de assalto setores do Congresso e da sociedade norte-americana. Preso por desacato à Casa dos Representantes (o equivalente americano da nossa Câmara de Deputados) ao invocar a Primeira Emenda da Constituição e a liberdade de expressão, diante de um comitê de investigação parlamentar truculento e recheado de figuras suspeitas – inclusive seu inquisidor-mor, que depois lhe faria companhia na prisão (só que condenado por corrupção) –, com a devida exploração midiática que as tecnologias da época permitiam, Trumbo ainda teve de amargar longos anos de clandestinidade, proibido que estava de ser contratado regularmente por qualquer estúdio, em função do veto da famigerada lista negra imposta sobre Hollywood pelas claques fascistóides que impunham suas vontades e seu jogo sujo de intimidações e tráfico de influências, sob o pretexto hipócrita e alarmista de combate a pretensas “infiltrações comunistas”.
Só por conta de tal contextualização histórica o filme já se mostraria altamente recomendável, e, infelizmente, cada vez mais oportuno. Não só na América, é claro.
Mas outro detalhe que tornou para mim particularmente emocionante a experiência de assistir "Trumbo" foi rever o charme inconfundível das velhas máquinas de escrever das décadas de 1940 e 50. As mesmas que meu pai batucava dia e noite, e com a qual também ele dava vida a seus personagens de ficção (só que a “Hollywood” do meu velho chamava-se Rádio Nacional).
Um brinde então aos ficcionistas de qualquer mídia, mais ou menos ingênuos, idealistas ou desiludidos, sejam eles comunistas, anarquistas, democratas, liberais, conservadores, ou rigorosamente inclassificáveis sob qualquer rótulo partidário ou ideológico.