Só recentemente, aproveitando a folga
de fim de ano, assisti a "Trumbo: lista negra", filme de 2015, do
diretor Jay Roach, sobre a vida do grande roteirista de cinema americano,
Dalton Trumbo. Um tanto quanto linear e previsível, a película, como diriam os
antigos críticos de cinema, não obstante vale muito à pena, nem que seja pelo
trabalho dos atores – como o indicado Bryan Cranston à frente –, pela divertida
reconstituição de época e de certo momento da história do cinema, mas ainda mais
pela oportunidade do tema.
Trumbo, o biografado, é um personagem
que já desperta curiosidade, independentemente de suas atribulações políticas,
pelo conjunto da obra e por chamar a atenção para a importância crucial da arte
do roteiro cinematográfico. Além de ser responsável por clássicos como "A
princesa e o plebeu" (“Roman Holiday”), "Spartacus" e “Exodus”,
ele escreveu e dirigiu um dos mais perturbadores filmes de todos os tempos: o
libelo pacifista "Johnny got his gun" (que no Brasil chamou-se
"Johnny vai à guerra"). Publicado originalmente em 1939 como romance
ambientado no pós Primeira Guerra Mundial, foi finalmente trazido para as telas
somente em 1971 (quando os Estados Unidos ainda se encontravam engajados no
desastre do Vietnã). Nas palavras de Trumbo, era uma tentativa – terrivelmente
bem sucedida – de tornar mais eficaz, via emoções, mensagem que a razão
inutilmente repete há séculos: que guerras são uma completa insanidade.
Mas é claro que Trumbo, o filme, gira
em torno da perseguição que o personagem principal e tantos outros sofreram nos
primeiros anos da Guerra Fria, quando a América foi tomada pela paranoia
anticomunista. Retratado no filme como membro um tanto quanto romântico do PC
Americano – como, aliás, era tão comum à época – Trumbo e seus companheiros da
esquerda hollywoodiana pagaram um alto preço por desafiar a linha de frente da
imbecilidade fascista que naqueles anos tomou de assalto setores do Congresso e
da sociedade norte-americana. Preso por desacato à Casa dos Representantes (o
equivalente americano da nossa Câmara de Deputados) ao invocar a Primeira
Emenda da Constituição e a liberdade de expressão, diante de um comitê de
investigação parlamentar truculento e recheado de figuras suspeitas – inclusive
seu inquisidor-mor, que depois lhe faria companhia na prisão (só que condenado
por corrupção) –, com a devida exploração midiática que as tecnologias da época
permitiam, Trumbo ainda teve de amargar longos anos de clandestinidade,
proibido que estava de ser contratado regularmente por qualquer estúdio, em função
do veto da famigerada lista negra imposta sobre Hollywood pelas claques fascistóides
que impunham suas vontades e seu jogo sujo de intimidações e tráfico de influências,
sob o pretexto hipócrita e alarmista de combate a pretensas “infiltrações
comunistas”.
Só por conta de tal contextualização
histórica o filme já se mostraria altamente recomendável, e, infelizmente, cada
vez mais oportuno. Não só na América, é claro.
Mas outro detalhe que tornou para mim
particularmente emocionante a experiência de assistir "Trumbo" foi rever o charme
inconfundível das velhas máquinas de escrever das décadas de 1940 e 50. As
mesmas que meu pai batucava dia e noite, e com a qual também ele dava vida a
seus personagens de ficção (só que a “Hollywood” do meu velho chamava-se Rádio
Nacional).
Um brinde então aos ficcionistas de qualquer mídia,
mais ou menos ingênuos, idealistas ou desiludidos, sejam eles comunistas,
anarquistas, democratas, liberais, conservadores, ou rigorosamente inclassificáveis
sob qualquer rótulo partidário ou ideológico.