quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A música e a revolução digital: era uma vez um estúdio chamado Sound City

Mordi a língua. Fui falar mal da tv a cabo no meu último post e ontem mesmo tive de dar o braço a torcer.
Enquanto zapeava displicentemente os canais, tive a sorte de assistir desde o começo o maravilhoso documentário de Dave "Foo fighter" Grohl sobre a trajetória e o destino final do famoso estúdio Sound City, localizado em Los Angeles. 
Com depoimentos emocionados dos donos, funcionários, técnicos, produtores e, é claro, muitos dos artistas que passaram por lá (alguns até cuja carreira simplesmente começou e decolou a partir daquelas salas e estúdios sujos e zoneados), gente do calibre do Fleetwood Mac - na sua mais bem sucedida formação: com Mick Fleetwood, Lindsey Buckingham, a diva Stevie Nicks, Christine & John McVie - mas também o grande Neil Young, Tom Petty, entre outros, chegando até o próprio Nirvana, de Dave Grohl, o filme é um mergulho nostálgico nos bastidores do rock californiano dos anos 1970 e 80.
Mas além disso, é uma narrativa em primeira "pessoa" dos meandros e descaminhos da revolução digital que nas últimas décadas mudou para sempre o universo da música popular. O verdadeiro personagem principal do drama de apogeu e queda de Sound City é, na verdade, uma máquina: a veneranda mesa analógica de som Neve 8028, com seus infindáveis canais e filtros, que na condição de espólio do estúdio falido é transferida e remontada por Grohl em sua homenagem final a Sound City e sua época: a gravação à moda antiga de um disco com muitos dos ídolos e artistas que ali fizeram história. No trecho final do documentário, podemos ver e ouvir, entre tantos, uma aula de como se canta um rock - por Stevie Nicks -, uma demonstração de que Rick Springfield não é apenas um rosto bonitinho, e até mesmo a inusitada parceria dos ex-Nirvana, Grohl e Krist Novoselick, com ninguém menos do que Paul McCartney.
Imperdível para todos os que gostam de música, de músicos, e de todos aqueles outros sonhadores anônimos, que dão duro nos bastidores da pesada indústria da arte para nos brindar com a fantasia e o prazer nossos de cada dia.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Utilidade pública: contribuições urgentes para rejuvenescer a juventude


Numa época tediosa, de tal modo assolada universalmente pela Peste Moralista, decidimos ressuscitar esse espaço e contribuir para urgente missão de saúde e, portanto, premente utilidade pública: precisamos rejuvenescer a juventude.
Dica número 1: deixem de lado a mixórdia que predomina nas tvs a cabo e na Internet e corram para as velhas salas de cinema. 
Podem se regalar com o felliniano "A grande beleza", de Paolo Sorrentino, em cartaz no Rio nesse insuportável fim de semana pré-Natal. 
Com referências inescapáveis a pelo menos três clássicos de Federico, "8 e 1/2", "La dolce vita", e last but not least, "Roma" - se ainda não viram, atenção jovens Manés: procurem nas boas locadoras que porventura ainda restarem, ou na famigerada rede -, o filme de Sorrentino é uma pintura, com fotografia, música e desempenho de elenco dignos da melhor tradição italiana. O protagonista, Jep Gambardella, dublê de dândi e gênio literário bissexto - personagem perfeito para ninguém menos que um Marcello Mastroianni -, e magistralmente interpretado por um blasérrimo Toni Servillo, passeia seu tédio e impotência pelas festas do gran monde romano, a serviço, contudo, como de hábito, de uma inteligência crítica social e filosoficamente cruel, e, pour cause, clarividente. Mais do que no próprio fórum romano ou no Coliseu - estrategicamente situado frente a seu charmosíssimo terraço - Gambardella não deixa pedra sobre pedra. Nem no que se refere a ele mesmo. Mas tudo é feito com aquela crueldade simultaneamente piedosa e carinhosa que Fellini sempre concedeu a seus patéticos e encantadores personagens. 
Acima de tudo, porém, a paixão de ambos os cineastas pela personagem principal da película - Roma, é claro - é rigorosamente a mesma.
Enfim, um bálsamo de inteligência e sensibilidade neste fim de ano tão estimulante quanto a enésima análise prospectiva das últimas pesquisas de intenção de votos para 2014.