domingo, 29 de junho de 2014

O "campeão voltou!" (e o sofrimento também)

Futebol é o esporte mais fascinante, entre outras coisas, porque é imprevisível. É o tal chavão da "caixinha de surpresas".
Por isso, ninguém pode dizer que mesmo jogando mal, como quase todo o jogo de ontem, contra o Chile, essa seleção do Brasil não possa seguir adiante, e mesmo reencontrar um pouco do brilho e da pegada que a fez conquistar com méritos a última Copa das Confederações (contra um grupo de adversários não tão inferiores assim aos competidores que ainda seguem vivos na Copa).
Mas é preciso ser franco: nosso elenco tem sérias limitações técnicas, e os que vêm jogando até aqui não mostraram consistência tática, nem segurança em matéria de estrutura emocional para lidar com a pressão gigantesca da obrigação de ganhar. Não deve ser brincadeira a barra que esses camaradas estão segurando; se toda as seleções do Brasil sentem sempre o peso de um suposto favoritismo em todas as Copas - já que nos acostumamos a pensar que ninguém mais ganha a competição: somos sempre nós, os brasileiros, que ou a vencemos ou perdemos -, imagine agora, com a Copa sendo jogada aqui (aliás, foi certamente por isso que ontem, no Maraca, vi tantos brasileiros ensandecidos, torcendo fervorosa e agressivamente contra o Uruguai - sem dúvida para despachar de vez o fantasma de 1950 - talvez sem atentar para o fato de que a vencedora do jogo - e nossa próxima adversária -, a Colômbia, está jogando muito melhor do que o Brasil e o Uruguai, juntos).   
Mas é justamente aí que está o busílis: há um completo descompasso entre o verdadeiro nível do futebol que se pratica hoje, no Brasil, e por brasileiros em todo o planeta, e nossa História no esporte. O que nos levou, por tanto tempo, a cultivar a presunção de que somos e seremos sempre os melhores, sempre os favoritos. Que temos sempre a obrigação de ganhar. Que, como diz a torcida, "o campeão voltou!". 
Ora, que rubro-negros inexperientes tenham o hábito patético de cultivar esse tipo de soberba e presunção, vá lá; faz até parte do charme e do folclore do futebol carioca. Mas quando isso acontece com a maioria esmagadora da torcida brasileira os riscos são bem mais altos (e aí os excessos de ufanismo midiático fatalmente cobrarão sua fatura).
A dura realidade é observar o time do Brasil em campo, olhar em seguida para o banco, até ir mais além, e tentar lembrar jogadores que nem foram convocados, e se dar conta, tragicamente, que, ao contrário do que acontecia há algum tempo, não dá nem para reclamar do técnico, da escalação ou até da convocação dos jogadores. Felipão e sua comissão técnica certamente têm sua dose de grande responsabilidade pelo pobre futebol apresentado até aqui e no sofrimento que tem sido cada jogo (em especial o último). Mas não podem ser unilateralmente responsabilizados pela visível queda de nível técnico e tático do futebol brasileiro.
Com efeito - e para ficar num exemplo próximo no tempo e da atual penúria -, em 2010 me cansei de criticar Dunga por não levar Neymar, Ronaldinho Gaúcho e Paulo Henrique Ganso à África do Sul. Hoje, o primeiro está aí, tentando compensar com seu talento solitário as demais carências do time. O segundo e o terceiro de fato não parecem ter mostrado em campo, ultimamente, futebol que justificasse suas convocações (ou reclamações por seu esquecimento). 
Faço questão de lembrar de Ganso, porém, não pelo que ele vem jogando, é claro, mas porque talvez seja o único espécime promissor - ou ex-promissor! - que temos numa posição essencial, a armação, onde outrora nosso futebol foi pródigo. Ou seja: não existem mais armadores talentosos no futebol brasileiro. E aproveito para admitir que meu entusiasmo inicial com o Oscar do jogo contra a Croácia me levou a classificá-lo então como meia; ele de fato, aparece de vez em quando por ali, mas segue sendo muito mais o que antigamente chamávamos de "ponta de lança" - e que hoje chamam de "terceiro ou quarto homem de meio campo", ou coisa parecida; quer dizer: um jogador que sabe conduzir a bola, se aproxima dos atacantes, tabela e chuta; mas não é capaz de fazer a ligação entre a defesa e o ataque, armando e organizando o time. 
Ninguém faz isso hoje na seleção brasileira! E com exceção de talentosos estrangeiros que ainda frequentam ou freqüentaram recentemente nossos times - Conca, Dalessandro, Montillo, Seedorf (snif!) - não se vê mais nada do gênero em nossos campos. 
Será que em breve também teremos de recorrer à nacionalização de craques estrangeiros para suprir nossas carências? Tal como fazem quase todos os nossos grandes rivais, principalmente os europeus?
Podemos ainda sonhar com o hexa (e nos preparar para sofrer muito ainda).
Mas não adianta tapar o sol com a peneira. Nem confundir slogans com a dura e triste realidade.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Maratonas

Passada a primeira semana de Copa, com jogos todos os dias, ainda não me sinto cansado de ver a bola rolando. 
Verdade que, obviamente, não vi todos eles. Nem poderia. Mas a postura ofensiva das equipes, maciçamente predominante, está fazendo desse Mundial, ao menos até aqui, disparado o melhor dos últimos tempos. E isso mesmo quando a técnica de alguns jogadores deixa a desejar. É um jogo emocionante atrás do outro, com ataques lá e cá, muitas vezes com alternâncias de placar, ou, pelo menos, muito equilíbrio em termos de disposição e chances criadas.
Também é verdade que algumas equipes favoritas, ou badaladas, começaram a competição de forma pouco mais do que decepcionante. Casos de Argentina (mesmo com o golaço de Messi), Portugal, o próprio Brasil, e, é claro, acima de todos - ou melhor, abaixo - a Espanha (minha primeira queimação de língua; foi só eu dizer que ainda acreditava nela...). 
Em compensação, Chile, Colômbia, Costa Rica, e Costa do Marfim, têm sido gratas surpresas, além das confirmações, até aqui, de Itália, França, e, sobretudo, Holanda e Alemanha (e vale mais uma vez uma menção honrosa ao Uruguai, de Suarez, que acaba de ressuscitar, e à Inglaterra, que mesmo perdendo duas vezes seguidas, mostrou qualidades; continuo achando criminosa a arrumação dos grupos, com a criação do chamado "grupo da morte").
Mas o que realmente já não dá mais pra aturar, mal começa a disputa é não somente a repetição nauseante das propagandas, mas também a falta de criatividade de muitas delas, com seus clichês em matéria de ufanismo batido, estereótipos de "brasilidade", ou cansativa exploração constrangedora da popularidade (?!) de certos personagens - principalmente jogadores e técnicos de futebol - que da noite para o dia têm de adquirir dotes teatrais insuspeitos.
Sem dúvida que algumas são bem boladas e até bem interpretadas por quem não tem nenhuma obrigação de saber como fazê-lo (já que assim como talento e competência no esporte não se improvisa, o mesmo vale para todas as artes).
Mas assim como acontece com muitos outros setores da comunicação contemporânea, parece que grande parte da publicidade brasileira também está sofrendo de uma espécie de autismo: repete-se à exaustão, abusa das mesmas fórmulas, e reitera os mesmos motivos e chavões - seja os da suposta malandragem adquirida a goles de cerveja, seja da rivalidade com os argentinos, ou as da pieguice patriótica - na reprodução de uma conversa cada vez mais fechada em si mesma, muito mais voltada para os próprios pares e coleguinhas.
Justiça seja feita que o mesmo diagnóstico também valeria hoje para muitas outras práticas e categorias profissionais (a começar pela nossa augusta Academia).
Mas nenhum outro discurso é mais onipresente, inescapável e, acima de tudo, mais estereotipado que o da propaganda.
Ainda mais em tempos de Copa e de olhos grudados na tela.

domingo, 15 de junho de 2014

O pecado e a grata surpresa

Começou mesmo. E começou muito bem,
No momento em que escrevo a bola já rolou em sete partidas da Copa. Nenhum empate, nenhum zero a zero. Uma média invejável de gols para um começo de competição.
E pelo menos dois jogos que já entraram para a História.
Mas vou inverter a ordem cronológica dos eventos porque antes de mostrar porque o jogo de ontem entre Holanda e Espanha foi uma efeméride única, é preciso denunciar o que já se desenhava como o maior pecado dessa Copa e que agora se torna ainda mais grave: quem concebeu, ou tornou possível esse crime contra o futebol mundial de juntar, num mesmo grupo eliminatório, escolas de futebol tão importantes como Itália, Inglaterra e Uruguai? Três campeões mundiais! Detentores, juntos, de sete títulos!
Se isso já era um acinte a Costa Rica resolveu aumentar o drama. Em vez de se contentar com seu papel de coadjuvante desse autêntico grupo da morte, ela resolveu se transformar, também, em protagonista. Tirou dona Celeste para dançar e deu-lhe um baile! Como joga o tal de Campbell! Um jogo inesquecível.
Agora vamos ter de forçosamente lamentar a saída prematura não de uma, mas sim duas grandes seleções. Sim, porque logo depois dessa primeira grande zebra da Copa - Costa Rica 3x1 Uruguai - Itália e Inglaterra fizeram um ótimo jogo, vencido pela Squadra Azzurra por 2x1 (com belos gols que contaram, direta ou indiretamente, com as assinaturas de craques como Pirlo, Rooney e Balotelli). 
Que desperdício de talento e tradição futebolística. Inclusive porque agora também vamos ficar tristes se a Costa Rica cair logo na 1ª fase (como estava, de certo modo, previsto).
Mas se esse clássico europeu já foi ótimo, o que dizer do espetáculo holandês de ontem?
O que Van Persie, Robben e Cia. aprontaram para cima da "Fúria" foi coisa que só pode acontecer em Copa do Mundo.
Para mim, porém, a goleada teve um sabor todo especial.
Nada contra os espanhóis, que continuo achando excelentes, possuidores do time mais bem montado da Copa, e com pelo menos um craque, Iniesta, que sempre dá gosto ver jogar.
Mas é que sempre tive uma ligação especial com essa equipe que ontem jogou toda de azul, e que começou a me encantar há exatos quarenta anos, na 1ª Copa da Alemanha, quase sempre vestindo laranja. Fiquei tão embasbacado com o futebol do esquadrão de Cruyff e de Neeskens, que meu time de futebol de botão passou a adotar os nomes daquela "Laranja Mecânica". 
É verdade que foram os alemães que riram melhor em 1974 (e sejamos justos: também tinham um timaço, com Beckenbauer, Muller, Maier, Overath e outros). Mas meu coração futebolístico tomou uma coloração mais alaranjada daí para frente (sem prejuízo do verde-amarelo e do preto e branco eternos).
Mas ontem a vingança holandesa teve significado especial e histórico também porque já nos minutos finais, entrou na sua defesa o jovem zagueiro Joel Veltman!
E eu que nem sabia que tinha um parente disputando a Copa!
É por isso que se não der para o Brasil - que, apesar de tudo, começou bem e pode, sim, levantar mais esse caneco - já tenho minhas favoritas: a Holanda, de Veltman, e a Costa Rica.
(A não ser, é claro, que descubra algum parente distante na seleção da Bósnia, que encara a Argentina amanhã, no Maraca...)

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Estréia digna do Oscar (e do Oscar)

Enfim, começou. E com toda a festa, a emoção, o humor, o drama e a pieguice que não podem faltar numa Copa do Mundo.
Confesso que não assisti toda a festa de abertura, nem prestei atenção a todos os detalhes (com exceção da Cláudia Leite, é claro, que mesmo cantando sem sincronia, por causa do áudio da transmissão, bate um bolão! - não entendi lhufas da música que ela partilhou com a JenyLo - igualmente talentosa! - e o tal do Pitbul, com muita energia (mas quem quer saber de música numa hora - e com pernas! - como essa(s) ?)).
Quanto ao jogo, ele teve todos os necessários ingredientes de uma digna estréia do Brasil em Mundiais. Inclusive os indispensáveis requintes de crueldade. Lembrei-me, particularmente, da nossa estréia em 1982, contra a antiga URSS. O Brasil começou perdendo graças a um frangaço de Valdir Peres, em chute de um tal de Bal (nunca esqueci esse nome porque minha querida amiga Anat "Nani" Geiger, teria então decretado: "acho que agora o Brasil... ba-bal!"). Viramos e vencemos o jogo no final do segundo tempo, com dois golaços de Sócrates e de Éder, nos únicos chutes que conseguiram passar pelo goleirão Dasaev. Daí para frente, porém, todos conhecemos o destino daquele timaço e daquela Copa (né Paolo Rossi?).
Pois hoje o drama começou com o gol contra de Marcelo. E por um momento pareceu que toda a uruca negativista que envolveu a realização desse mega-evento iria triunfar logo no começo da festa.
De qualquer modo, foi muito mais na base do coração e do talento individual que o Brasil virou e venceu. Os croatas deram muito trabalho e o placar final de 3x1 não diz o que foi a partida.
Tudo bem. Copa do Mundo só tem graça assim. E estréia é sempre mais complicado.
Mas falando em talento individual, o nome do jogo foi indiscutivelmente o Oscar.
O meia do Chelsea fez um partidaço, com atuação decisiva nos dois primeiros gols e assinando o terceiro golpe fatal. E o mais importante: mostrou que o Brasil ainda tem, pelo menos, um grande meia!
Mas deveria haver ainda um outro Oscar na história desse Brasil 3x1 Croácia.
Que Fred é um dos melhores centroavantes em atividade no planeta, todo mundo que acompanha futebol já sabe há muito tempo. Mas hoje o goleador tricolor mostrou ao mundo duas outras qualidades: perseverança e talento teatral.
Perseverança porque há muito tempo ele tenta convencer algum juiz a marcar pênalti quando ele se joga dentro da área. Quem assiste aos jogos do Fluminense com certa freqüência - mesmo não sendo tricolor (e principalmente, como é o meu caso) - sabe disso. Hoje o esforço de Fred foi recompensado. E no melhor momento possível (ainda bem que não foi num Flu X Botafogo).
Mas temos que reconhecer também que ele, de fato mereceu: à primeira vista, vendo pela tv, eu também achei que tinha sido falta. Só depois, com o auxílio das imagens de outras câmeras, pude apreciar melhor o talento interpretativo do nosso atacante, e ver como ele engrupiu direitinho o juizinho em questão (aliás, outra tradição do futebol mundial que não falha: que soprador de apito escalaram para a estréia da Copa!).
Em tarde/noite de Oscar, outro Oscar deveria ter aparecido no Itaquerão: o de melhor ator, para o Fred. 
Esperemos que agora, passado o tradicional sufoco inicial, nosso time deslanche e nos brinde com vitórias mais fáceis.
Mas até que um certo draminha - com doses de comédia - é gostoso.