quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

De fórmulas, mundos virtuais, e seu fascínio

Há algumas semanas me diverti assistindo ao novo episódio da saga Star Wars ("O despertar da Força"), e o fiz comme il faut: em 3D, com boa companhia e muita pipoca.
Feita a devida digestão, fiquei aqui conjeturando: de que se trata, afinal? Qual a razão – ou os mecanismos – que provocam o fascínio, o entretenimento, e o que seria mais intrigante: por que, passadas horas, ou dias, ainda nos vêm à mente aquelas imagens de um filme, o drama dos personagens, a provocação dos símbolos e possíveis metáforas, os fantasmas de significados que, de um modo ou de outro, mais ou menos idiossincraticamente, podem nos assaltar? Tal como a investida de uma legião de siths, stormtroopers e cia. ilimitada?
Com a devida análise estraga-prazeres de hábito, venhamos e convenhamos: a trama central desse novo episódio é apenas uma atualização do primeiro filme (o de 1977, cujo subtítulo esqueci, mas que tinha um inesquecível Alec Guinness no papel de Obi-Wan Kenobi). Assim como o fio que conduz o enredo – os objetos e objetivos práticos que movem os personagens centrais – e os dilemas existenciais e dramas familiares que os atormentam – o confronto entre o bem e o mal, o fideísmo e a esperança na luta desigual contra as injustiças, o ceticismo e a crença numa espécie de animismo transcendente, e, por fim, mas não menos importante, é claro, a busca e a descoberta surpreendente, senão mesmo trágica, das próprias origens, legados e maldições pessoais –, não há nada de novo nos hiperespaços da galáxia de George Lucas (e não vou entrar aqui em detalhes ou exemplos concretos, para não estragar mais a recepção dos que ainda vão assistir).
Ok. Vão dizer: mas é assim mesmo; arquétipos, fórmulas, chavões, etc.. Qual a surpresa?
Ora a surpresa, seu bando de chatos!, é que funciona!
Sim, há muitos exemplos de sequências cinematográficas que simplesmente dão com os burros n'água. Mas esse definitivamente não é o caso do "Despertar...". E não me refiro aqui aos recordes de bilheteria. Naquilo que se propõe, o filme é um gol de bicicleta.
Na minha parca interpretação o fascínio deriva, sim, de duas qualidades deste episódio, o qual, embora estruturalmente quase que idêntico ao primeiro filme da saga, possui, contudo, propriedades impossíveis para aquele (por sinal, ótimo e antológico).
Em primeiro lugar, obviamente, existe a considerável diferença de recursos tecnológicos (e orçamentários) à disposição da nova produção. É claro que sem bons roteiro, direção, edição e interpretação, tecnologia por si só não garante nada. Mas sem ela também esse gênero não dá liga.
O segredo alquímico da mistura, porém, está, evidentemente, em outro departamento: no modo como se explora eficientemente o universo paralelo criado previamente e ao longo de décadas pelos outros filmes da saga. Por isso é claro que a nenhum espectador já devidamente convertido podem realmente incomodar as semelhanças gritantes de roteiro entre a primeira e a derradeira película. Pelo contrário: queremos mais é reviver, em outro nível, a mesma experiência anterior (nessas horas, aliás, é muito bom ser, digamos, um pouco "rodado"; só assim se pode ter o prazer de re-experimentar uma diversão cinematográfica de quase quatro décadas!).
Nesse sentido, nenhum esforço foi mais bem realizado pela produção do que conseguir reunir novamente o trio central de protagonistas da primeira parte da saga: Harrison Ford, Carrie Fisher e Mark Hamill. A garotada nova é toda ela muito promissora. Mas ao menos boa parte do charme do filme está no reencontro com os veteranos.
Existe também, portanto – e principalmente –,  a referência essencial à paradoxal autonomia, digamos, ontológica, e à perenidade – para não dizer, doravante, a eternidade – dos mundos e planetas fictícios onde se dá a epopeia. Constituída não somente pela re-encenação de seus cenários galácticos, mas também de suas instituições, seus mitos, suas tradições, sua história, e acima de tudo por conta dos velhos vínculos familiares e afetivos, que à maneira clássica das tragédias gregas, envolvem, torturam e surpreendem os personagens principais.
O segredo de polichinelo do sucesso de sagas como Star Wars está, obviamente, em sua capacidade de criar todo um universo paralelo em que se pode mergulhar de cabeça e, neste caso, agora também em três dimensões.
E onde além da aventura e da excitação, estará garantido, de um modo ou de outro, depois de todo o necessário sofrimento – e novos episódios, sem dúvida –, o inevitável triunfo do bem sobre o mal e da reconfortante ideia de que há mesmo um sentido maior em todo esse universo. E para além dos recordes na arrecadação e no merchandising.
Já se disse inúmeras vezes que tudo não passa de puro e simples escapismo. Também aqui não há novidades.
Mas como diria o bom e imortal Rhett Butler... "frankly my dear, I don't give a damn!"