Há algumas semanas me diverti assistindo ao novo
episódio da saga Star Wars ("O despertar da Força"), e o fiz comme
il faut: em 3D, com boa companhia e muita pipoca.
Feita a devida digestão, fiquei aqui conjeturando: de
que se trata, afinal? Qual a razão – ou os mecanismos – que provocam o
fascínio, o entretenimento, e o que seria mais intrigante: por que, passadas
horas, ou dias, ainda nos vêm à mente aquelas imagens de um filme, o drama dos
personagens, a provocação dos símbolos e possíveis metáforas, os fantasmas de
significados que, de um modo ou de outro, mais ou menos idiossincraticamente,
podem nos assaltar? Tal como a investida de uma legião de siths, stormtroopers
e cia. ilimitada?
Com a devida análise estraga-prazeres de hábito,
venhamos e convenhamos: a trama central desse novo episódio é apenas uma
atualização do primeiro filme (o de 1977, cujo subtítulo esqueci, mas que tinha
um inesquecível Alec Guinness no papel de Obi-Wan Kenobi). Assim como o fio que
conduz o enredo – os objetos e objetivos práticos que movem os personagens
centrais – e os dilemas existenciais e dramas familiares que os atormentam – o
confronto entre o bem e o mal, o fideísmo e a esperança na luta desigual contra
as injustiças, o ceticismo e a crença numa espécie de animismo transcendente,
e, por fim, mas não menos importante, é claro, a busca e a descoberta
surpreendente, senão mesmo trágica, das próprias origens, legados e maldições
pessoais –, não há nada de novo nos hiperespaços da galáxia de George Lucas (e
não vou entrar aqui em detalhes ou exemplos concretos, para não estragar mais a
recepção dos que ainda vão assistir).
Ok. Vão dizer: mas é assim mesmo; arquétipos,
fórmulas, chavões, etc.. Qual a surpresa?
Ora a surpresa, seu bando de chatos!, é que funciona!
Sim, há muitos exemplos de sequências cinematográficas
que simplesmente dão com os burros n'água. Mas esse definitivamente não é o
caso do "Despertar...". E não me refiro aqui aos recordes de
bilheteria. Naquilo que se propõe, o filme é um gol de bicicleta.
Na minha parca interpretação o fascínio deriva, sim,
de duas qualidades deste episódio, o qual, embora estruturalmente quase que
idêntico ao primeiro filme da saga, possui, contudo, propriedades impossíveis
para aquele (por sinal, ótimo e antológico).
Em primeiro lugar, obviamente, existe a considerável
diferença de recursos tecnológicos (e orçamentários) à disposição da nova
produção. É claro que sem bons roteiro, direção, edição e interpretação,
tecnologia por si só não garante nada. Mas sem ela também esse gênero não dá
liga.
O segredo alquímico da mistura, porém, está,
evidentemente, em outro departamento: no modo como se explora eficientemente o
universo paralelo criado previamente e ao longo de décadas pelos outros filmes
da saga. Por isso é claro que a nenhum espectador já devidamente convertido
podem realmente incomodar as semelhanças gritantes de roteiro entre a primeira
e a derradeira película. Pelo contrário: queremos mais é reviver, em outro
nível, a mesma experiência anterior (nessas horas, aliás, é muito bom ser,
digamos, um pouco "rodado"; só assim se pode ter o prazer de
re-experimentar uma diversão cinematográfica de quase quatro décadas!).
Nesse sentido, nenhum esforço foi mais bem realizado
pela produção do que conseguir reunir novamente o trio central de protagonistas
da primeira parte da saga: Harrison Ford, Carrie Fisher e Mark Hamill. A
garotada nova é toda ela muito promissora. Mas ao menos boa parte do charme do
filme está no reencontro com os veteranos.
Existe também, portanto – e principalmente –, a referência essencial à paradoxal autonomia,
digamos, ontológica, e à perenidade – para não dizer, doravante, a eternidade –
dos mundos e planetas fictícios onde se dá a epopeia. Constituída não somente
pela re-encenação de seus cenários galácticos, mas também de suas instituições,
seus mitos, suas tradições, sua história, e acima de tudo por conta dos velhos vínculos
familiares e afetivos, que à maneira clássica das tragédias gregas, envolvem,
torturam e surpreendem os personagens principais.
O segredo de polichinelo do sucesso de sagas como Star
Wars está, obviamente, em sua capacidade de criar todo um universo paralelo
em que se pode mergulhar de cabeça e, neste caso, agora também em três
dimensões.
E onde além da aventura e da excitação, estará
garantido, de um modo ou de outro, depois de todo o necessário sofrimento – e novos
episódios, sem dúvida –, o inevitável triunfo do bem sobre o mal e da
reconfortante ideia de que há mesmo um sentido maior em todo esse universo. E
para além dos recordes na arrecadação e no merchandising.
Já se disse inúmeras vezes que tudo não passa de puro
e simples escapismo. Também aqui não há novidades.
Mas como diria o bom e imortal Rhett Butler... "frankly
my dear, I don't give a damn!"