Tá ruim e tudo indica que ainda vai piorar muito,
antes que melhore.
Por quê?
Simplesmente porque independentemente do desfecho mais
próximo da crise imediatamente atual, e que envolve diretamente o presidente da
nova republiqueta, o golpe consumado no ano passado é muito maior, mais
permanente e consistente do que seu ato fundacional – o impeachment de
Dilma –, como também vai além do desempenho dos vários canastrões e picaretas
que o promovem no proscênio da farsa tragicômica – mais trágica do que cômica –
que domina esse país nos últimos, três, quatro, cinco ou, para ser mais exato,
doze anos (desde que explodiu o famigerado caso do "mensalão").
Ele é maior porque ultrapassa em muito os marcos
institucionais, que vêm sendo sistematicamente destroçados e sacrificados em
seu altar de moralização hipócrita e seletiva – a Justiça Eleitoral é a mais
recente vítima (auto) imolada do massacre –, maior porque mobiliza setores
poderosos da sociedade brasileira, com efetivo apoio, mais ou menos
inconsequente, de parcelas maiores, não tão poderosas, porém significativas, da
mesma, e, por último, mas não menos importante, também porque se consubstancia,
de um lado, numa pauta de "reformas" infelizes que, por assim dizer,
se autonomizou, e, de outro, numa tentativa desesperada de controle da anarquia
judicialesca, ambas se constituindo nos únicos e fundamentais pontos de
convergência das legiões golpistas.
De modos que, seja qual for o destino mais ou menos
imediato do "governo" Temer, tal pauta e tal desespero seguirão de um
modo ou de outro em suas corridas desabaladas rumo à promoção do caos social e
da inviabilização de qualquer estabilização política e recuperação econômica
dignas desses nomes, e impedindo, particularmente, o retorno do que quer que
que possa ser chamado sem constrangimento de ordem democrática neste país, por
longo tempo.
É possível vaticinar sobre os vários desdobramentos
possíveis da crise atual: continuidade zumbi do "governo" Temer (não
necessariamente só até 2019), interrupção do mesmo e sua substituição por
sucedâneo eleito indiretamente, ou, até mesmo, improvavelmente, por novo
presidente eleito diretamente, etc.
Seja como for, contudo, isto de modo algum modificará
o sentido profundo e principal do que nos aguarda: inviabilidade, por longo
tempo, de um novo governo autenticamente popular, democrático, legítimo e, ao
mesmo tempo, institucionalmente capaz de levar adiante uma agenda que não somente
reverta as excrescências do legado Temer – tanto o já acumulado quanto o que
ainda está por vir – mas recoloque o Brasil no devido rumo do crescimento
sustentado com a imprescindível redistribuição da renda e combate à
desigualdade. Em suma: efetivos governos mais à esquerda, únicos capazes de
enfrentar os maiores desafios que há muito esse país impõe a seu povo e a seus
dirigentes (quando os há).
Isso não deve ser interpretado como descrença ou
desincentivo à mobilização popular ou à presente luta por "diretas
já". Embora não tenha grandes esperanças com relação à tal empreitada,
entendo, porém, que, por várias razões, ainda assim é uma opção melhor do que a
continuidade mal-ajambrada do "governo" Temer, ou sua substituição
por um mandatário tampão, eleito indiretamente por estas maiorias
pra-lamentares que estão aí.
O que não deve é restar dúvidas quanto ao fundamental:
podemos sim, ter governos mais ou menos híbridos de neoliberalismo de fancaria
com puro reacionarismo oportunista – como o que temos agora, e possivelmente
continuaremos a ter no futuro mais imediato.
O que não poderemos ter assim, ao mesmo tempo, é
democracia e ordem.
E não porque tais termos sejam intrínseca ou
inevitável e mutuamente excludentes. Infelizmente, não. Regimes democráticos
mais estáveis, e em condições socioeconômicas mais favoráveis, podem até se dar
ao luxo de eventualmente flertar por algum tempo com retrocessos em suas
políticas públicas e apostas pra lá de duvidosas no poder demiúrgico dos
mercados.
Mas jamais uma republiqueta de bacharéis casuístas, de
escravocratas e golpistas, campeã mundial de desigualdade, irresponsabilidade e
hipocrisia.