Saíram há algum tempo n'O Globo duas ótimas matérias do colega Fábio
Vasconcellos sobre os possíveis impactos da recente decisão do Supremo Tribunal
Federal sobre a inconstitucionalidade das doações de empresas para fins de
financiamento de campanhas.
Atendendo à sua simpática "provocação",
dei tratos à bola sobre o tema dos impactos específicos da decisão sobre a
propaganda eleitoral, não sem antes relembrá-lo de que não sou especialista no
assunto mais quente do financiamento em si, suas dimensões éticas e práticas
mais polêmicas (ao contrário de outros colegas que ele teve o cuidado de também
entrevistar).
Mas como matéria de jornal é sempre aquele
esforço de síntese e velocidade, vou explorar aqui alguns dos temas que me
ocorreram e que, compreensível e naturalmente, ele não pode aproveitar no
artigo (não entrei então – nem vou agora – no mérito da legitimidade em si do
financiamento privado – sobre o qual não tenho posição fechada, muito menos
ideológica; nem sobre os argumentos de que o fim do financiamento por empresas
vai criar outros tipos de desigualdade na competição eleitoral; na prática, tal
previsão pode até fazer algum sentido – mas vindo de onde vem, soa muito mais
como pura e simples hipocrisia).
O que tinha a sugerir é que, tal como saiu
publicado, não vejo nenhum sinal
de redução da competitividade, muito menos da radicalização na luta partidária
brasileira para os próximos anos. Muito pelo contrário. Com a continuidade
esperada da crise econômica – ou uma lenta saída da mesma – e os possíveis
desdobramentos – em grande medida, imprevisíveis – da crise política atual,
vejo muita turbulência à frente. E isso obviamente vai se refletir nas
campanhas e na busca por recursos. De fato, como disse então, parece-me que
perder politicamente vai ficar cada vez mais caro para todos os principais
competidores.
Por isso, creio que o mais provável de
ocorrer será uma adequação por parte de partidos e candidatos à realidade de um
Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita (HPEG) e de campanha tradicional com
menos recursos e, ao mesmo tempo, a busca de criação de novas alternativas de
financiamento ou apoio indireto a certos candidatos ou partidos.
Assim, é bastante possível que mudem as táticas,
estratégias e formatos de campanha, e, consequentemente, a distribuição dos
recursos disponíveis por diferentes mídias e formas de mobilização. Se os
recursos privados realmente escassearem devemos ter uma queda de investimento
em produção para a propaganda na TV – que ainda vai continuar sendo decisiva,
mas vai ter que se baratear – e certamente vamos ver grandes esforços e
novidades na Internet e nas redes sociais. Ou seja: essa decisão, no mínimo,
deverá ser um ótimo estímulo à criatividade da rapaziada.
Mas também veremos com certeza mais
investimentos paralelos de apoiadores economicamente poderosos, por meio de “RP”
ou “assessorias de imprensa” – ou pura e simples interferência financeira –, inclusive
(e talvez principalmente) nas mídias mais tradicionais (as que obviamente sobreviverem
à sua crise atual), e que poderão ficar ainda mais tendenciosas e proto-partidárias
do que já estão hoje.
Finalmente, não me espantaria se passássemos
a conviver também nas nossas eleições com a proliferação de versões tupiniquins
de coisas do tipo “PAC” ou até mesmo “SuperPAC”: aqueles riquíssimos comitês
informais de apoio aos candidatos que são hoje uma verdadeira praga nas
campanhas norte-americanas.
Ou seja: a decisão do STF foi importante, não
só simbólica e doutrinariamente, do ponto de vista do Direito Constitucional
Democrático, como certamente também pode complicar e muito o famoso "caixa
dois" e, portanto, a vida dos corruptores e corruptos dos processos
eleitorais. Mas o poder econômico sempre vai tentar encontrar modos de
desequilibrar o jogo a seu favor.
Aparentemente, ou ao menos no importante campo simbólico,
os defensores da igualdade política certamente venceram uma batalha. Mas essa
guerra é velha e continuará sendo longa e difícil para eles.