segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O Tao do tal financiamento das campanhas eleitorais (pós-decisão do STF)

Saíram há algum tempo n'O Globo duas ótimas matérias do colega Fábio Vasconcellos sobre os possíveis impactos da recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade das doações de empresas para fins de financiamento de campanhas.
Atendendo à sua simpática "provocação", dei tratos à bola sobre o tema dos impactos específicos da decisão sobre a propaganda eleitoral, não sem antes relembrá-lo de que não sou especialista no assunto mais quente do financiamento em si, suas dimensões éticas e práticas mais polêmicas (ao contrário de outros colegas que ele teve o cuidado de também entrevistar).
Mas como matéria de jornal é sempre aquele esforço de síntese e velocidade, vou explorar aqui alguns dos temas que me ocorreram e que, compreensível e naturalmente, ele não pode aproveitar no artigo (não entrei então – nem vou agora – no mérito da legitimidade em si do financiamento privado – sobre o qual não tenho posição fechada, muito menos ideológica; nem sobre os argumentos de que o fim do financiamento por empresas vai criar outros tipos de desigualdade na competição eleitoral; na prática, tal previsão pode até fazer algum sentido – mas vindo de onde vem, soa muito mais como pura e simples hipocrisia).
O que tinha a sugerir é que, tal como saiu publicado, não vejo nenhum sinal de redução da competitividade, muito menos da radicalização na luta partidária brasileira para os próximos anos. Muito pelo contrário. Com a continuidade esperada da crise econômica – ou uma lenta saída da mesma – e os possíveis desdobramentos – em grande medida, imprevisíveis – da crise política atual, vejo muita turbulência à frente. E isso obviamente vai se refletir nas campanhas e na busca por recursos. De fato, como disse então, parece-me que perder politicamente vai ficar cada vez mais caro para todos os principais competidores.
Por isso, creio que o mais provável de ocorrer será uma adequação por parte de partidos e candidatos à realidade de um Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita (HPEG) e de campanha tradicional com menos recursos e, ao mesmo tempo, a busca de criação de novas alternativas de financiamento ou apoio indireto a certos candidatos ou partidos.
Assim, é bastante possível que mudem as táticas, estratégias e formatos de campanha, e, consequentemente, a distribuição dos recursos disponíveis por diferentes mídias e formas de mobilização. Se os recursos privados realmente escassearem devemos ter uma queda de investimento em produção para a propaganda na TV – que ainda vai continuar sendo decisiva, mas vai ter que se baratear – e certamente vamos ver grandes esforços e novidades na Internet e nas redes sociais. Ou seja: essa decisão, no mínimo, deverá ser um ótimo estímulo à criatividade da rapaziada.
Mas também veremos com certeza mais investimentos paralelos de apoiadores economicamente poderosos, por meio de “RP” ou “assessorias de imprensa” – ou pura e simples interferência financeira –, inclusive (e talvez principalmente) nas mídias mais tradicionais (as que obviamente sobreviverem à sua crise atual), e que poderão ficar ainda mais tendenciosas e proto-partidárias do que já estão hoje.
Finalmente, não me espantaria se passássemos a conviver também nas nossas eleições com a proliferação de versões tupiniquins de coisas do tipo “PAC” ou até mesmo “SuperPAC”: aqueles riquíssimos comitês informais de apoio aos candidatos que são hoje uma verdadeira praga nas campanhas norte-americanas.
Ou seja: a decisão do STF foi importante, não só simbólica e doutrinariamente, do ponto de vista do Direito Constitucional Democrático, como certamente também pode complicar e muito o famoso "caixa dois" e, portanto, a vida dos corruptores e corruptos dos processos eleitorais. Mas o poder econômico sempre vai tentar encontrar modos de desequilibrar o jogo a seu favor.
Aparentemente, ou ao menos no importante campo simbólico, os defensores da igualdade política certamente venceram uma batalha. Mas essa guerra é velha e continuará sendo longa e difícil para eles.