Enquanto à
Direita as forças oligárquicas seguem com seu cerco e sua investida subversiva
ao Estado brasileiro e às suas instituições – pondo em prática suas políticas
imediatistas de terra arrasada –, à Esquerda, diante de conjuntura tão
deprimente, é compreensível que mentes mais ou menos atônitas lambam suas
feridas e muitas vezes busquem consolo em velhas e requentadas utopias
românticas, que muitas vezes rescendem a conhecidos "espontaneísmos",
“basismos”, ou coisa parecida.
Longe de mim
desprezar ou minimizar a importância das diversas iniciativas, mais ou menos
informais, de organização popular, dos chamados movimentos sociais, nem muito
menos as eventuais inovações em matéria de participação política coletiva, de
base, virtual ou presencial, etc. Muito pelo contrário. Apesar de tudo, ainda é
alentador saber quanta indignação, energia e criatividade pode ser mobilizada
em defesa de direitos e valores civilizatórios importantes, mesmo num contexto
geral tão adverso.
Mas poucas vezes
parece ter se tornado tão flagrante o modo com que os hipócritas discursos
pseudo-éticos, antipolíticos, antipartidários, antiestatais, ou
antiinstitucionais, tradicionalmente manipulados pelas oligarquias, são capazes
de engrupir tão habilmente incautos de ambos os lados do espectro político e
ideológico (e me restrinjo apenas aos antípodas – direita, esquerda – porque o
tal do “centro” já foi inviabilizado entre nós há muito tempo).
De um lado,
creio que raras vezes nesse país o discurso primário da moralização terá
servido tão bem à entrega incondicional do patrimônio público à voracidade de
uma fauna sui generis de predadores. Tudo com o beneplácito aparvalhado
de amplos setores sociais, que depois de aposentar suas panelas e sua santa
indignação seletiva, se encontram agora prestes a entregar-se ao canto de
sereia do reformismo inconseqüente, ou ao primeiro simulacro de salvador da
pátria que apontar no horizonte (não é à toa, aliás, que a última
"inovação" resgatada pela onda reacionária em voga do museu das mais
infelizes quinquilharias políticas aposentadas seja a da tal "candidatura
avulsa"; só falta mesmo a volta do voto censitário ou da eleição indireta
em dois graus.... Oops!! Melhor ficar quieto e não dar idéia... sabe-se lá qual
a última "novidade" que podem tentar nos impingir?).
Por outro lado,
assistimos também ao nem um pouco surpreendente paralelismo de forças, de um
extremo ao outro, decantando as vantagens do sacrifício do Estado e de seu
intruso poder regulador, em nome das forças metafísicas do “mercado” ou da
“sociedade civil”. Se uns apostam todas as fichas nas promessas vagas de
imediato alívio econômico, pela via da institucionalização sem peias da
selvageria capitalista globalizada, outros aguardam a ressurgência messiânica e
mais ou menos espontânea das "massas oprimidas"– talvez à maneira
efêmera e em grande medida enganosa de 2013 – ou a reencarnação de um novo e
autêntico “agente revolucionário” (com um perfil mais “pós-moderno”, certamente).
E segue o baile.
Conhecendo
exatamente, contudo, velhas e novas receitas de como perpetuar seus privilégios
e oportunidades, as oligarquias não dão ponto sem nó. Após a conquista golpista
do Poder Central, avançam em sua sanha, eliminando a legitimidade de qualquer
forma de capacitação política popular e eficaz – principalmente via partidos, é
claro – , além de preparar o que pode ser o golpe mortal da pulverização e
neutralização do risco “populista” – melhor dizer, simplesmente, popular – com
novo arremate de misericórdia: impondo ao país algum arremedo ou variante
disfarçada do popularíssimo regime parlamentarista. Aquele já duas vezes rejeitado
pelo eleitorado, mas através do qual se institucionaliza o acesso legal – e se
possível perpétuo – ao poder para as oligarquias ruins de voto agregado em
enormes magnitudes (como, por acaso, numa eleição presidencial brasileira).
Mas quem afinal
se importa com instituições? Numa hora dessas, quem ainda acredita que valha à
pena perder tempo refletindo e pesquisando sobre seus recursos e implicações?
Que diferenças isso pode fazer agora?
Talvez não
muita. Ou muito pouca. Sem dúvida, o contexto geral não ajuda, nem estimula.
Não nos
iludamos, porém: assim como chegou onde está agora pela via – tortuosa, é
certo, mas não menos eficaz – das instituições, é por meio delas que as
oligarquias continuam e continuarão a exercer seu poder e a traficar com seus
diversos lobbies.
Não somente
porque aquelas as servem desigualmente bem (como se queixam – com forte dose de
razão – as esquerdas).
Mas também
porque sem elas, as tais das instituições, não se pode exercer, a rigor, poder
efetivo e razoavelmente duradouro algum. Inclusive para modificá-las, as
próprias instituições, e, é claro, o mais importante: a realidade na qual se
inserem.
Esta lição nunca
foi esquecida pelas oligarquias. Mesmo quando fingem desacreditá-la tão
sistematicamente.
(E dormem os bois; mesmo com um barulho desses...)