sábado, 18 de novembro de 2017

Liberalismos, autoritarismos e outros "ismos" (inclusive os descaradismos, caradepauismos, etc.)

Minha querida mestra Ângela de Castro Gomes, colega de tantos anos de Cpdoc, deu entrevista para o Nexo Jornal com direito a uma pequena aula de raro e indispensável bom senso histórico, motivada pela última pérola de irrelevância discursiva produzida por Sua Excelência, o presidente preposto interino da ex-República, na qual ele teceu profundíssimos comentários sob certa tendência autoritária dos "brasileiros", de par com outras elucubrações inovadoras acerca das velhas e conhecidas oscilações entre centralismo e federalismo em nossa história (esse é um lado bom que ainda existe na prática do jornalismo, apesar de tudo: a oportunidade de ouvir a Ângela discorrer sabiamente graças a um pretexto irrelevante).
Não que as longevas e densas discussões sobre autoritarismos, liberalismos, federalismo, ou centralização política e administrativa no Brasil, sejam em si pouco importantes, ou inatuais. De modo algum. 
Mas quem pode levar a sério o discurso de Sua Excelência e se dar ao trabalho de realmente cotejá-lo com um debate tão rico e multifacetado como este, que há tantas décadas vem sendo travado em alto nível sobre as características próprias da trajetória política nacional, e as alternativas para ela, quando se atenta para a natureza da "ordem temerária", seus próceres e o conjunto de sua "obra" até aqui?
Como de hábito, a conversa fiada presidencial sobre autoritarismo, centralismo e que tais se dirige ao mesmo e inconsistente público-alvo: essa coisa ridícula que hoje se arvora no Brasil o epíteto de "liberais", e que insiste em nos fazer crer que estamos efetivamente diante de "reformas" consistentes e aptas a nos colocar em algum rumo que não o da reprodução em nova escala da velha barbárie nacional (com seus bolsões cada vez menores e mais ilhados de um simulacro de civilização moderna, ou pós-moderna).
Já se disse que o liberalismo no Brasil nunca passou de um grande equívoco. É possível que sim, ao menos em linhas gerais. Afinal, defender, à moda de um liberalismo econômico consistente, a igualdade de oportunidades, a livre-concorrência e a iniciativa privada produtiva em terra de escravocratas, mafiosos, especuladores e rent-seekers; ou, de outro lado, na seara mais própria do liberalismo político clássico, o primado do Estado de Direito, das garantias fundamentais e do respeito à Constituição e às instituições – em uma nação de golpistas, "autoritários instrumentais" e irresponsáveis castas prebendarias –, não são mesmo tarefas fáceis (que o digam, pois, os verdadeiros liberais brasileiros, de uma ou ambas as vertentes; com os quais, aliás, nunca pude concordar inteiramente, mas que muitas vezes respeitei como interlocutores sérios e comprometidos, à sua maneira, com a democracia e com o bem-estar do povo).
Não. Tudo indica que não se fazem mais, por aqui, liberais como antigamente.
Mas nesse ponto, pensando bem, porém, a fala presidencial sobre a República de fato não deixa de ressoar nosso passado e algumas de nossas tradições mais antigas. 
A fala de Itu, tal como poderá ficar célebre no futuro, evoca perfeitamente – e até geograficamente – uma época que julgávamos de muito superada: aquela em que oligarquias fechadas se digladiavam – com maior ou menor polidez – pelo acesso exclusivo ao poder de mandar e desmandar no país, servindo-se do Estado para suas negociatas, promoções predatórias de lucros artificiais – e quando necessário, socialização das perdas –, e tudo sob a fachada de um regime constitucional, à época aparentemente moderno, democrático e liberal. Em que, contudo, a luta política era muitas vezes resolvida na ponta da faca – quando não pela "degola" e via bico de pena – e na qual, por último, mas não menos importante, a chamada "questão social" era tratada como "caso de polícia".
A dúvida maior que fica, então, é mesmo de ordem histórica ou cronológica: até onde vai o furor reacionário e passadista da "Nova Ordem"? 
Pára em Itu e na Velha República?
Ou retrocede mais algumas décadas (ou séculos)?

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