sábado, 31 de dezembro de 2016

Últimas de 2016: entre a histeria e a depressão


Juro que tentei levar as promessas da democracia a sério e tratar a política como objeto de uma ciência razoavelmente racional. Econômica até. Mas cada vez mais me convenço de que a melhor formação para o entendimento mínimo da coisa exige uma imaginação definitivamente clínica, psicologética, quando não pura e simplesmente psiquiátrica.
Já tive inclusive oportunidade de me aventurar anteriormente no campo da oftalmologia sociológica política, ramo que me orgulho de ter inaugurado (salvo evidência histórica em contrário, e até hoje não encontrada), pelo menos no que diz respeito ao tratamento da chamada hipermetropia política (porque outros males, como a miopia política, já foram de certo modo diagnosticados bem antes, por vários outros observadores; como é sabido, o hipermétrope político é aquele paciente que só consegue enxergar o que se encontra muito distante dele, principalmente no tempo, e é incapaz de discernir as formas mais próximas e imediatamente localizadas).
Mas hoje outro tipo de patologia se impõe à nossa atenção e análise: trata-se da bipolaridade política. Ou seja: a alternância mais ou menos cíclica entre estados de euforia e hiperatividade e de depressão profunda e total, ou quase imobilismo.
Em paralelo à epidemia de miopia política – na verdade, uma variante extraordinariamente agressiva e fatal do gênero – que assolou o país nos últimos anos, o que certamente não passou despercebido pelos experts foi o surto igualmente massivo de bipolaridade. Aliás, é importante que se esclareça logo que, tal como a maioria das patologias políticas – e diferentemente de sua homônima clássica – essa forma específica de bipolaridade é altamente contagiosa.
Pois bem.
Não há dúvida de que a síndrome atuou e atua no Brasil, hoje, de modo alarmante, e, o que é pior, sem que as autoridades competentes tomem qualquer atitude diante da gravidade do fato.
Talvez seja exatamente um problema de "autoridade" e de "competência". Já não sei.
Mas é claro que não pode haver outra explicação clínica para o modo como se oscilou tão dramática e radicalmente de estados de verdadeira histeria política, tal como presenciados inúmeras vezes ao longo de 2016, para se cair, em seguida, em tão profunda e generalizada depressão.
Há quem ainda acredite em causas coletivas, minimamente racionais, de natureza social, econômica e até mesmo político-institucional para a difusão de tal enfermidade. Argumentam que uma crise econômica renitente, o consequente agravamento das tensões sociais, ou a frustração diante da metamórfica capacidade regenerativa da corrupção nacional endêmica – mesmo quando desafiada por bravos e impolutos higienistas – seriam, entre outros, menos votados, os fatores principais causadores da doença. Ou que alguma dieta excessiva ou exclusiva de determinadas fontes midiáticas de informação também pode levar a um agravamento do quadro clínico.
Eu também já pensei assim...
Mas...
...
Agora...
...
Pois éeeeee....
.......
Zzzzzzzzzzzz....
Hum..... hum......
Zzzzzzzzzzzz...
Hum...
Ronc, ronc...
Zz...
Z..

Ahn??!!!
Oi...
Ah... sim... claro... como dizia...
...
Mas hoje, neste momento de confraternização e entusiasmo que nos envolve, e diante do contexto geral de absoluta normalidade em que estamos inseridos, não é possível chegar-se a nenhuma conclusão distinta daquela que nos assevera que só são acometidos por tal doença – e muitas outras também – aqueles que assim o desejam. Os que evidentemente não possuem a força de vontade, os méritos e a atitude positiva e necessária para superar os obstáculos naturais da vida.
Afinal, é tudo uma questão de escolhas e capacidades individuais, não é mesmo?
Quem pode, pode!
O mundo é dos espertos!
É isso aí!
Bola pra frente!!
Vamos à luta!!!
Show!!!
Pois a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de quem quiser...
Jingle bells! Jingle bells!
Hillary, Hillary, Hillary ê!!
Ho! Ho! Ho!
....
(Chega! Alguém, por favor, devolva minha depressão... já!)
....
....
Obrigado.
Feliz 2017.
(Não me pergunte como).