sábado, 22 de agosto de 2015

Tempos

Um dos fatores que gera mais incerteza e instabilidade, na vida em geral, mas em particular na política, é a dificuldade em se estabelecer para a ação um determinado prazo, ou horizonte. Ou seja: não saber exatamente quando algum processo deve terminar, mesmo que se trate apenas de uma etapa (ou de algo que estará sempre em transformação, e que nunca obviamente ficará pronto, em caráter efetivamente definitivo). Por exemplo: quando devo concluir a demolição de uma parte de um imóvel, para poder prever minimamente o prazo de reerguimento da estrutura, e, finalmente, do acabamento e entrega da nova construção?
O que, porém, talvez complique ainda mais esse tipo de indefinição – principalmente no mundo político, que é sempre "obra aberta" e, além do mais, coletiva! – é que não somente temos de contar com as nossas próprias dúvidas sobre prazos, mas também com uma grande diversidade de perspectivas temporais diferentes, junto aos demais atores do jogo. Quer dizer, nós até podemos saber muito bem onde se situa no tempo ou no calendário o nosso principal horizonte de expectativas políticas, mas nossos aliados, rivais e coadjuvantes podem fazer – e em geral fazem – cálculos temporais completamente diferentes e que certamente vão entrar em atrito ou oposição aos nossos, gerando desdobramentos em grande medida imprevisíveis.
Observe-se agora, por exemplo óbvio, o que sucede no atual contexto político nacional: quem pode definir com clareza qual o seu horizonte temporal principal e, ainda mais, o dos demais atores que lhe são estratégicos?
Se primeiramente nos ativermos apenas aos chamados protagonistas institucionais, já podemos perceber o quanto se diferenciam em seu comportamento os que primordialmente miram hoje as eleições gerais de 2018, daqueles que, antes disso, estão muito mais preocupados com os pleitos municipais, do ano que vem. Já é uma bela diferença de perspectiva. Mas o que dizer então daqueles que, tudo indica, não conseguiram ainda sair de 2014? Para estes, 2018 se encontra insuportavelmente distante, e cada dia que passa pode ser vivido com enorme ansiedade.
Se ampliarmos o foco da nossa observação, contudo, veremos que parece haver muitas outras temporalidades conformando as perspectivas e expectativas dos vários atores políticos em ação. No campo mais amplo da chamada Sociedade Civil e da mobilização popular, a oferta certamente é bem mais ampla. Seja para frente ou para trás. Com efeito, volta e meia tenho a impressão de que estou ouvindo vozes situadas não no presente, ou direcionadas para o futuro mais imediato, mas sim ecoando anos já distantes: 1992, 1989, 1988, 1984... Ou ainda mais longe: 1968... 1964!
E, é claro, não podemos nunca esquecer e menosprezar as variadíssimas formas do que chamo de hipermetropia política e ideológica: a manutenção de um foco sempre num futuro indefinido – mais ou menos utópico, ou distópico – que leva o paciente a perder a noção do que está mais próximo no tempo ou no espaço, em nome de apostas no que poderá – ou que, segundo ele, deverá – vir a ser. Mesmo que a busca da ação em função do futuro, na verdade comprometa seriamente a situação do agente hoje, no presente.
Nada disso, porém, deve nos fazer esquecer que para o Governo Federal, o principal ator estratégico do jogo, não parece existir, no momento atual, nenhum horizonte temporal mais importante do que o presente imediato. Ao contrário do que sucede com aqueles que não conseguem deixar de pensar – e viver – em 2014, para os protagonistas do drama, a presidente Dilma, seu governo e seu partido, há motivos de sobra para comemorar cada dia de cumprimento de seu mandato – talvez, de sobrevida. Mas acima de tudo é imperativo trabalhar incessantemente para garantir não somente a manutenção de tal perspectiva temporal mínima, como também qualquer esperança de ampliação da mesma para o futuro. E quando digo trabalhar, isso deve ser compreendido no sentido mais amplo e variado possível. Não apenas administrar o que lhe cabe, com tudo o que isso obviamente já implica. Mas trabalhar principalmente no sentido mais especificamente político do termo: incansavelmente dialogar, negociar, propor e tentar pautar o debate e exercer as prerrogativas institucionais e de liderança política que cabem ao Poder Executivo Federal no Brasil. Não existe outra maneira de se ampliar o seu horizonte de expectativas – e, talvez, de se preservar o mandato.
Além do mais porque quando falamos de diversos horizontes temporais pode restar aqui, finalmente, uma boa notícia para a presidente: é bastante possível que para uma grande maioria de brasileiros o cálculo temporal de prioridades também seja igualmente curto, imediato, e o horizonte inapelavelmente presente. Aqueles que são regidos pelas imposições cotidianas da busca pela sobrevivência e pela manutenção de um mínimo de condições de uma vida digna numa sociedade moderna, competitiva e ainda tão desigual e brutal como a nossa.