Um
dos fatores que gera mais incerteza e instabilidade, na vida em geral, mas em
particular na política, é a dificuldade em se estabelecer para a ação um
determinado prazo, ou horizonte. Ou seja: não saber exatamente quando algum
processo deve terminar, mesmo que se trate apenas de uma etapa (ou de algo que
estará sempre em transformação, e que nunca obviamente ficará pronto, em
caráter efetivamente definitivo). Por exemplo: quando devo concluir a demolição
de uma parte de um imóvel, para poder prever minimamente o prazo de
reerguimento da estrutura, e, finalmente, do acabamento e entrega da nova
construção?
O
que, porém, talvez complique ainda mais esse tipo de indefinição –
principalmente no mundo político, que é sempre "obra aberta" e, além
do mais, coletiva! – é que não somente temos de contar com as nossas próprias
dúvidas sobre prazos, mas também com uma grande diversidade de perspectivas
temporais diferentes, junto aos demais atores do jogo. Quer dizer, nós até
podemos saber muito bem onde se situa no tempo ou no calendário o nosso
principal horizonte de expectativas políticas, mas nossos aliados, rivais e
coadjuvantes podem fazer – e em geral fazem – cálculos temporais completamente
diferentes e que certamente vão entrar em atrito ou oposição aos nossos,
gerando desdobramentos em grande medida imprevisíveis.
Observe-se
agora, por exemplo óbvio, o que sucede no atual contexto político nacional:
quem pode definir com clareza qual o seu horizonte temporal principal e, ainda
mais, o dos demais atores que lhe são estratégicos?
Se
primeiramente nos ativermos apenas aos chamados protagonistas institucionais,
já podemos perceber o quanto se diferenciam em seu comportamento os que
primordialmente miram hoje as eleições gerais de 2018, daqueles que, antes
disso, estão muito mais preocupados com os pleitos municipais, do ano que vem. Já
é uma bela diferença de perspectiva. Mas o que dizer então daqueles que, tudo
indica, não conseguiram ainda sair de 2014? Para estes, 2018 se encontra
insuportavelmente distante, e cada dia que passa pode ser vivido com enorme
ansiedade.
Se
ampliarmos o foco da nossa observação, contudo, veremos que parece haver muitas
outras temporalidades conformando as perspectivas e expectativas dos vários
atores políticos em ação. No campo mais amplo da chamada Sociedade Civil e da
mobilização popular, a oferta certamente é bem mais ampla. Seja para frente ou
para trás. Com efeito, volta e meia tenho a impressão de que estou ouvindo
vozes situadas não no presente, ou direcionadas para o futuro mais imediato,
mas sim ecoando anos já distantes: 1992, 1989, 1988, 1984... Ou ainda mais
longe: 1968... 1964!
E,
é claro, não podemos nunca esquecer e menosprezar as variadíssimas formas do
que chamo de hipermetropia política e ideológica: a manutenção de um foco
sempre num futuro indefinido – mais ou menos utópico, ou distópico – que leva o
paciente a perder a noção do que está mais próximo no tempo ou no espaço, em
nome de apostas no que poderá – ou que, segundo ele, deverá – vir a ser. Mesmo
que a busca da ação em função do futuro, na verdade comprometa seriamente a
situação do agente hoje, no presente.
Nada
disso, porém, deve nos fazer esquecer que para o Governo Federal, o principal
ator estratégico do jogo, não parece existir, no momento atual, nenhum
horizonte temporal mais importante do que o presente imediato. Ao contrário do
que sucede com aqueles que não conseguem deixar de pensar – e viver – em 2014,
para os protagonistas do drama, a presidente Dilma, seu governo e seu partido,
há motivos de sobra para comemorar cada dia de cumprimento de seu mandato –
talvez, de sobrevida. Mas acima de tudo é imperativo trabalhar incessantemente
para garantir não somente a manutenção de tal perspectiva temporal mínima, como
também qualquer esperança de ampliação da mesma para o futuro. E quando digo
trabalhar, isso deve ser compreendido no sentido mais amplo e variado possível.
Não apenas administrar o que lhe cabe, com tudo o que isso obviamente já
implica. Mas trabalhar principalmente no sentido mais especificamente político
do termo: incansavelmente dialogar, negociar, propor e tentar pautar o debate e
exercer as prerrogativas institucionais e de liderança política que cabem ao
Poder Executivo Federal no Brasil. Não existe outra maneira de se ampliar o seu
horizonte de expectativas – e, talvez, de se preservar o mandato.
Além do mais porque quando falamos de diversos
horizontes temporais pode restar aqui, finalmente, uma boa notícia para a
presidente: é bastante possível que para uma grande maioria de brasileiros o
cálculo temporal de prioridades também seja igualmente curto, imediato, e o
horizonte inapelavelmente presente. Aqueles que são regidos pelas imposições
cotidianas da busca pela sobrevivência e pela manutenção de um mínimo de
condições de uma vida digna numa sociedade moderna, competitiva e ainda tão
desigual e brutal como a nossa.