sábado, 12 de julho de 2014

Coisa de louco

Deixando de lado as finais da Copa – adoro a Argentina, tenho grande carinho pelos hermanos, mas mesmo com todo o respeito pela tal unidad latino-americana, sinto muito: definitivamente não vou torcer por eles amanhã. E por um motivo muito simples: o time alemão é melhor, jogou melhor nessa Copa, e merece muito mais o título. Basta dizer que o verdadeiro grande destaque albiceleste, até aqui, foi o Mascherano! Para quem já apreciou o futebol de Brindisi, Kempes, Ardiles, Passarella, Maradona, Ortega, Batistuta e cia. milonguera ilimitada, convenhamos que é dose! – vamos mudando logo de assunto.
"Viva a liberdade!", de Roberto Andó, tem lá seus altos e baixos. Mas além da bela interpretação dupla de Toni Servillo – como os gêmeos Enrico e Giovanni – e de outras qualidades, o filme é uma bem-humorada sátira da política democrática contemporânea. Conforme já diz a sinopse – e, portanto, não vou estragar a surpresa de ninguém – o enredo envolve a clássica situação da substituição de alguém importante por um sósia que, obviamente, além da aparência em nada mais se assemelha ao original. No caso, a do deprimido e excessivamente cauteloso senador italiano e líder da oposição, Enrico Oliveri, por seu gêmeo, Giovanni: filósofo, poeta, recém-saído de uma clínica psiquiátrica e, naturalmente, bon-vivant e imprevisível. Para além dos qüiproquós típicos, revelações afetivas e acertos de contas do passado, a substituição se reflete também no ânimo dos correligionários e militantes, e, por último, mas não menos importante, numa vertiginosa recuperação de popularidade do senador-candidato e seu partido.
Num certo sentido, a ironia de “Viva a liberdade!” parece ser a de que, hoje em dia, nas velhas democracias, só mesmo um louco feliz e carismático é capaz de restituir o ânimo e a esperança aos militantes e simpatizantes na política (ao passo que os políticos sérios e responsáveis são igualmente tediosos). Pode parecer crítico demais, mas para mim, na verdade é um elogio ao regime: afinal de contas haveria sistema político melhor do que aquele em que você pode trocar os chefes aleatoriamente e isso não faria, a rigor, a menor diferença?
Ou de que afinal pouco importa se a política democrática virar mesmo um “espetáculo” – tal como protagonizado por Giovanni em seus rompantes retóricos –, desde que possamos continuar usufruindo das vantagens comparativas que, queiram seus críticos ou não, esse sistema continua oferecendo frente às demais alternativas viáveis (em especial as já testadas e conhecidas).
Acredito que ainda se poderia elucubrar melhor e mais divertidamente sobre o assunto, com base na película.
De qualquer modo, não quero levar o leitor a encará-la como um tratado político, ou coisa parecida. Graças a Deus, não!
Por isso segue aqui a recomendação para curtir o filme (e agradeço à minha querida colega Elena Lazarou pela dica).
Quanto a Brasil e Holanda...
Esquece.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Ciclo completo

Foram exatos 64 anos desde o Maracanazo de 1950 até o massacre de ontem, no Mineirão.
Mais de meio século de epopéia, drama, glória e ocaso do futebol pentacampeão mundial (graças à eliminação precoce da tetracampeã Itália, ainda vamos poder manter a exclusividade dessa marca por mais algum tempo; mas isso se torna cada vez mais irrelevante).
Para mim, porém, um ciclo histórico se fechou ontem: a era da supremacia inconteste e neurótica do futebol brasileiro nas Copas do Mundo. A era de presunção e ufanismo infalível dominada pela crença na nossa superioridade endêmica, na mística insuperável da camisa amarela, na certeza de que somente algum fator extraordinário e maléfico, extra ou intra campo - um complô internacional, um juiz ladrão, um técnico muito burro, ou algum traidor da pátria travestido de frangueiro ou cobrador de pênalti nas nuvens, etc. - poderia nos roubar, de fato, aquilo que por direito é sempre nosso: o título mundial.
Acabou.
A verdade é que o trauma de 1950 já deveria ter sido superado, com sobras, há muito tempo, pelas cinco grandes conquistas subsequentes (a rigor, quem tinha de se preocupar com aquela Copa são os uruguaios, que nunca mais conquistaram o título). E pelo menos nas nossas três últimas vitórias, as que pude assistir, posso dizer sem receio: em nenhuma delas a seleção brasileira era infalível ou imbatível (como se isso pudesse existir em futebol). Até a mais brilhante e inesquecível delas – a de 1970 – tinha uma defesa claudicante e só não tomou gol numa única partida (a vitória épica sobre a Inglaterra, então campeã do mundo, por 1x0, gol de placa de Jairzinho). As de 1994 e 2002, também tinham seus altos e baixos, e também tiveram que passar por alguns sufocos. Mas eram todas equipes taticamente consistentes, com recursos técnicos e, o mais importante, com a cabeça no lugar. E mesmo assim todas poderiam ter ficado no meio do caminho, encarando adversários de primeira, em jogos que foram muitas vezes difíceis (ou escapando de outros rivais ainda mais temíveis, por conta dos cruzamentos da Copa).
Não vou repisar os problemas flagrantes da seleção nesta Copa (quem quiser que leia os posts anteriores). A diferença mais importante entre o Brasil que começou jogando ontem e o dos jogos anteriores – talvez, admita-se, especialmente mais mal escalado do que de costume, em função da ausência de Neymar e de qualquer plano B para suprir o que seria nosso único grande trunfo no torneio – é que, dessa vez, esbarramos num time realmente forte, tecnicamente aparelhado e bem preparado há anos para disputar essa ou qualquer outra competição de alto nível.
Para quem não sabe, ou não se lembra (recomendo, aliás, a leitura dos meus poucos posts da Copa de 2010, nesse mesmo blog) foi praticamente essa mesma Alemanha, com o mesmo treinador, que há quatro anos despachou daquela Copa, em seqüência, e por goleada, tanto a Inglaterra quanto a Argentina (de Messi, Tevez, Di Maria, e com Maradona no banco), e só não chegou à final porque parou na própria Espanha, nas semifinais. E mesmo assim os futuros campeões suaram para bater os alemães (1x0).
Ou seja: o placar de ontem foi mesmo chocante e duro de engolir. Mas a superioridade alemã era mais do que previsível. O que obviamente não dava para prever foi o modo com que essa diferença entre as duas equipes se traduziu em tantos gols, em tão poucos e decisivos minutos. Apagões como esse que o time do Brasil sofreu, porém, ocorrem no futebol com muito mais freqüência do que se imagina. É que nem sempre isso acontece numa Copa, diante de um grupo tão competente como o alemão – e que soube aproveitar muito bem a oportunidade; coisa que a maioria dos times não consegue –, e acometendo, do outro lado, uma seleção tão experiente como a nossa deveria se mostrar.
Certamente é impossível deixar de creditar muito dessa pane ao estado emocional lamentável em que foi colocado – ou se colocou – esse grupo.
Mas deixemos isso para lá. Pois não tenho nenhum interesse em procurar causas unilaterais, nem muito menos participar do infeliz esporte nacional de busca de culpados (inclusive porque, como já sugeri, o problema é maior e tem a ver com a queda geral de qualidade do nosso futebol).
Muito mais importante, creio, é tentar aprender com os vitoriosos da hora. E aí temos material de sobra, principalmente em termos de planejamento de médio e longo prazo, mas também de como lidar com a pressão psicológica e com as muitas interferências que nada tem a ver com o esporte, mas que são inevitáveis (como as da política e do mercado).
Mas para começo de conversa, aproveitemos enfim essa dura lição que os alemães nos deram, deixemos de lado o peso do passado, e encerremos de uma vez o ciclo iniciado em 1950.
Sepultemos de vez essa empáfia presunçosa. E de quebra também o complexo de vira-latas que é seu duplo inseparável. 

domingo, 6 de julho de 2014

Sem pessimismo

Depois de mais essa vitória sofrida sobre a valorosa Colômbia, mantenho tudo o que disse nos últimos posts sobre as limitações técnicas e táticas do elenco brasileiro e do time que vem jogando.
Mas agora prefiro enfatizar o que houve de bom e de melhoria, dos últimos jogos para o de anteontem.
Primeiro, o primeiro tempo: não foi de modo algum brilhante; mas já começou a lembrar ao menos um pouco da eficiência do time na última Copa das Confederações. Verdade que o gol logo no início deu tranqüilidade. Mas o crédito para isso também deve ser dado à postura ofensiva do time assim que a bola rolou - coisa que, aliás, também ocorreu em jogos anteriores. Dessa vez, porém, o Brasil se tranquilizou, manteve a pegada, não deu espaços à Colômbia, valorizou mais a posse de bola e poderia até ter saído para o intervalo com uma vantagem maior. Mesmo sem grandes armadores a equipe jogou mais compacta e ocupou melhor os espaços do campo. Principalmente o meio dele.
Já o segundo tempo...
Mas em segundo lugar, há que se elogiar o futebol da nossa dupla de zaga, Thiago Silva e David Luiz: certamente uma das melhores da Copa - se não, simplesmente, a melhor - e disparado o destaque da seleção. Eles, que em jogos anteriores já tiveram até de bancar os armadores de longa de distância - com resultados, obviamente, duvidosos -, anteontem supriram também as carências recorrentes do ataque. Se Thiago Silva foi oportunista como um centroavante de ofício no importante gol inicial, David Luiz, por sua vez, merece uma crônica especial à parte.
Não só pelo fantástico gol marcado ontem, digno de um Nelinho (alô rapaziada que não acompanhou o futebol daqueles idos da década de 1970: podem buscar na Internet os vídeos da fera; na minha modesta e limitada opinião futebolística, o maior e mais versátil batedor de faltas da nossa - riquíssima - galeria de craques!).
Mas também porque a bola e principalmente a personalidade que o garoto está desfilando na Copa são comparáveis às dos maiores craques de todos os tempos (e aqui cabe menção também ao belo gesto no fim do jogo, consolando o ótimo James Rodriguez).
Sem exageros ou ufanismos tolos, acredito sinceramente que se mantiver o pique atual e a cabeça no lugar, David Luiz pode se tornar um jogador do quilate de ninguém menos do que um Franz Beckenbauer.
A torcer e a conferir.  
Quanto ao hexa (e já que falamos de alemães...): não vai ser moleza passar pelos grringos, ainda mais sem Neymar - criminosa e estupidamente atingido - e sem Thiago (bobamente advertido).
Mas essa é a melhor hora para a tal da superação, e para apresentar um futebol mais condizente com nossa tradição.