quarta-feira, 9 de julho de 2014

Ciclo completo

Foram exatos 64 anos desde o Maracanazo de 1950 até o massacre de ontem, no Mineirão.
Mais de meio século de epopéia, drama, glória e ocaso do futebol pentacampeão mundial (graças à eliminação precoce da tetracampeã Itália, ainda vamos poder manter a exclusividade dessa marca por mais algum tempo; mas isso se torna cada vez mais irrelevante).
Para mim, porém, um ciclo histórico se fechou ontem: a era da supremacia inconteste e neurótica do futebol brasileiro nas Copas do Mundo. A era de presunção e ufanismo infalível dominada pela crença na nossa superioridade endêmica, na mística insuperável da camisa amarela, na certeza de que somente algum fator extraordinário e maléfico, extra ou intra campo - um complô internacional, um juiz ladrão, um técnico muito burro, ou algum traidor da pátria travestido de frangueiro ou cobrador de pênalti nas nuvens, etc. - poderia nos roubar, de fato, aquilo que por direito é sempre nosso: o título mundial.
Acabou.
A verdade é que o trauma de 1950 já deveria ter sido superado, com sobras, há muito tempo, pelas cinco grandes conquistas subsequentes (a rigor, quem tinha de se preocupar com aquela Copa são os uruguaios, que nunca mais conquistaram o título). E pelo menos nas nossas três últimas vitórias, as que pude assistir, posso dizer sem receio: em nenhuma delas a seleção brasileira era infalível ou imbatível (como se isso pudesse existir em futebol). Até a mais brilhante e inesquecível delas – a de 1970 – tinha uma defesa claudicante e só não tomou gol numa única partida (a vitória épica sobre a Inglaterra, então campeã do mundo, por 1x0, gol de placa de Jairzinho). As de 1994 e 2002, também tinham seus altos e baixos, e também tiveram que passar por alguns sufocos. Mas eram todas equipes taticamente consistentes, com recursos técnicos e, o mais importante, com a cabeça no lugar. E mesmo assim todas poderiam ter ficado no meio do caminho, encarando adversários de primeira, em jogos que foram muitas vezes difíceis (ou escapando de outros rivais ainda mais temíveis, por conta dos cruzamentos da Copa).
Não vou repisar os problemas flagrantes da seleção nesta Copa (quem quiser que leia os posts anteriores). A diferença mais importante entre o Brasil que começou jogando ontem e o dos jogos anteriores – talvez, admita-se, especialmente mais mal escalado do que de costume, em função da ausência de Neymar e de qualquer plano B para suprir o que seria nosso único grande trunfo no torneio – é que, dessa vez, esbarramos num time realmente forte, tecnicamente aparelhado e bem preparado há anos para disputar essa ou qualquer outra competição de alto nível.
Para quem não sabe, ou não se lembra (recomendo, aliás, a leitura dos meus poucos posts da Copa de 2010, nesse mesmo blog) foi praticamente essa mesma Alemanha, com o mesmo treinador, que há quatro anos despachou daquela Copa, em seqüência, e por goleada, tanto a Inglaterra quanto a Argentina (de Messi, Tevez, Di Maria, e com Maradona no banco), e só não chegou à final porque parou na própria Espanha, nas semifinais. E mesmo assim os futuros campeões suaram para bater os alemães (1x0).
Ou seja: o placar de ontem foi mesmo chocante e duro de engolir. Mas a superioridade alemã era mais do que previsível. O que obviamente não dava para prever foi o modo com que essa diferença entre as duas equipes se traduziu em tantos gols, em tão poucos e decisivos minutos. Apagões como esse que o time do Brasil sofreu, porém, ocorrem no futebol com muito mais freqüência do que se imagina. É que nem sempre isso acontece numa Copa, diante de um grupo tão competente como o alemão – e que soube aproveitar muito bem a oportunidade; coisa que a maioria dos times não consegue –, e acometendo, do outro lado, uma seleção tão experiente como a nossa deveria se mostrar.
Certamente é impossível deixar de creditar muito dessa pane ao estado emocional lamentável em que foi colocado – ou se colocou – esse grupo.
Mas deixemos isso para lá. Pois não tenho nenhum interesse em procurar causas unilaterais, nem muito menos participar do infeliz esporte nacional de busca de culpados (inclusive porque, como já sugeri, o problema é maior e tem a ver com a queda geral de qualidade do nosso futebol).
Muito mais importante, creio, é tentar aprender com os vitoriosos da hora. E aí temos material de sobra, principalmente em termos de planejamento de médio e longo prazo, mas também de como lidar com a pressão psicológica e com as muitas interferências que nada tem a ver com o esporte, mas que são inevitáveis (como as da política e do mercado).
Mas para começo de conversa, aproveitemos enfim essa dura lição que os alemães nos deram, deixemos de lado o peso do passado, e encerremos de uma vez o ciclo iniciado em 1950.
Sepultemos de vez essa empáfia presunçosa. E de quebra também o complexo de vira-latas que é seu duplo inseparável. 

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