sábado, 30 de dezembro de 2017

Das muitas coisas de 2017 que não vão deixar saudades (ou, os não-populistas, ou ainda, os simplesmente impopulares)

Só agora li, numa dessas retrospectivas típicas de fim de ano, o interessante artigo de Annalisa Merelli, publicado na Quartz no início de 2017, sobre bolhas de opinião na rede (https://qz.com/866727/filter-bubbles-and-facebok-why-so-many-people-hate-the-liberal-elite/).
Assim como ela e muitos colegas, há muito cultivo uma implicância intensa para com o "conceito" de "populismo". Parafraseando meu querido mestre César Guimarães, diria que populista é todo aquele meu rival, adversário político ou simples desafeto que independentemente de maior ou menor consistência ideológica, e seja qual for sua espécie, demonstra sempre a irritante e característica capacidade de ser popular. E o que é pior: mais popular do que eu ou posições, partidos e candidatos de minha preferência.
Pois eis que com a mesma inconsistência, e muitas vezes traindo a mesma inveja e ressentimento de sempre – ou o mesmo oportunismo pseudo-técnico habitual – o famigerado epíteto ressurgiu com força total por toda a parte. Como de praxe, em discursos conservadores ou reacionários suspeitos. Do mesmo modo, é claro, no jargão cada vez mais pobre, superficial, inconseqüente e repetitivo de alguns jornalistas. Mas também seguiu freqüentando assiduamente toda uma produção acadêmica que reputo, no mínimo, como teoricamente problemática.
E tem para todos os gostos: dos velhos e repisados "populistas de esquerda" – com sua mania de propor medidas que parecem adequadas para combater desigualdades; e que, pasmem!, muitas vezes, de fato, funcionam; pelo menos eleitoralmente; sendo, obviamente, ainda capazes de atrair muitos simpatizantes – aos "novos""populistas de direita": por sua vez, pródigos na manipulação de temores e preconceitos primários, e não raro desagradáveis, mas que não deixam de refletir (mesmo que perversamente) problemas e tensões reais da vida social e econômica.
Não que os fenômenos políticos assim retratados não mereçam atenção e um olhar crítico. É claro que não só merecem, como se impõem a nosso exame. Afinal, o simples fato de algo ou alguém ser eventualmente popular por si só não significa que necessariamente seja bom, benéfico ou recomendável (não por acaso, a história da política e da cultura de massas está cheia de exemplos nesse sentido). Sabemos o quão inconstantes e efêmeros podem ser a aprovação e o gosto da maioria. Assim como a própria noção de maioria pode ser enganosa, unidimensional e transitória.
Mas por isso mesmo o fato de algo ou alguém ser objeto da aprovação ou da escolha de muitos não deixa de ser por si só relevante tanto em termos econômicos e sociológicos quanto políticos. Ainda mais quando vivemos em grandes economias de mercado e, especialmente, em regimes democráticos de massa, em que a regra de maioria é o principal instrumento, não obviamente de aferição do que é justo ou adequado, ou efetivamente representativo da "verdadeira vontade popular", mas sim de decisão para processos complexos de definição de regras comuns e alocação de poderes e recursos públicos.
Na literatura histórica, econômica e política, no entanto, o jargão possui longa trajetória, já tendo incorporado os mais diversos sentidos e conteúdos. Há muito, porém, parece ter assumido contornos quase sempre pejorativos e depreciativos.
Em primeiro lugar, é claro, em relação aos próprios protagonistas políticos, ideológicos ou culturais que muitas vezes interpelam e se valem das reservas de energia social, mal ou bem aproveitadas, de ressentimentos profusamente reproduzidos na vida social contemporânea, e até de demandas reais mais ou menos latentes e confusas para viabilizar seus projetos, ambições ou fantasias. Com más ou boas intenções e resultados.
Mas não há dúvida de que o alvo definitivo da acusação de "populismo", no fundo, é sempre o mesmo: o povo, ou melhor, a maioria, suposta ou real, que consagra ou pode consagrar, apoiar, estimular as posições e as lideranças "populistas".
Por isso, aliás, o fenômeno do "populismo" é histórica e especificamente contemporâneo e democrático. Ele se encontra indissoluvelmente atrelado a processos democráticos decisivos de formação e manifestação de escolhas e preferências individuais agregadas ou coletivas de grande magnitude e capacidade de incorporação popular – seja qual for a substância ou consistência mais ou menos equívoca e transitória destas – e, é claro, também ao aspecto competitivo inerente aos meandros dos grandes mercados, políticos, econômicos e ideológicos. O que obviamente implica o risco e a efetivação de freqüentes derrotas particulares e ideologicamente perspectivadas, à cada "escolha" ou "decisão" da massa "populista".
Hoje, como de hábito, o "conceito" é novamente manipulado, a torto e a direito, para se referir a fenômenos que rigorosamente podem não ter nada em comum (exceto, obviamente, uma certa e incômoda popularidade mais ou menos circunstancial ou relativa). Assim, por exemplo, podem acabar no mesmo saco, de um lado, a defesa de policies (re)distributivas, ou a tentativa de preservação de direitos políticos e sociais arduamente adquiridos, mesmo que eventualmente problemáticos, e, de outro, a propagação de libertarismos pseudo-meritocráticos a favor da atomização mais ou menos anômica de indivíduos "livres" que assim, via automatismos de mercado, nos conduzirão, finalmente, ao paraíso do crescimento por alocação espontânea, ótima e natural de recursos, ou a um ideal de completa liberdade e auto-realização individual, digna de um episódio do Discovery Channel sobre a lei do mais forte e a dramática luta pela sobrevivência na selva.
Mas o mecanismo subjacente parece ser sempre o mesmo: eu, o interlocutor que me valho do epíteto e com ele rotulo o objeto de meu desagrado o faço não apenas no sentido da crítica, mas principalmente como modo de expressar a minha superioridade ética ou intelectual – em geral, dá no mesmo – em relação às razões ou motivos que conduzem as bases "populistas" a apoiar e escolher suas lideranças, teses ou demais commodities. Pouco se me dá se existem razões maiores e objetivas para tais "equívocos".
Afinal, o que me importa mais, realmente? Compreender a realidade ou simplesmente reafirmar – em especial, para mim mesmo – a justeza e o acerto das minhas convicções (que, eventual e infelizmente, acredito relativamente minoritárias e em desvantagem competitiva diante de adversários ou rivais "populistas")?

(E com essa, me despeço sem saudades de 2017. Desejando a todas e a todos – mesmo contrariando todos os prognósticos – um feliz 2018!)

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Historinhas III (ou quebrando a cabeça em busca de um anti-Lula mais confiável)

Assim como a maioria dos meus colegas, gosto de me divertir analisando pesquisas de intenção de voto. Mas tem horas que fica cansativo.
A última pesquisa Datafolha sobre a corrida presidencial para 2018, por exemplo: (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/12/1940171-lula-lidera-e-bolsonaro-se-consolida-em-2-aponta-datafolha.shtml) são tantas as simulações, com esses ou aqueles candidatos, que você bem pode se perder (ou se entediar) em meio a tantos números, variáveis e tentativas de interpretação.
Um aspecto, porém, chama logo a atenção: é a sutil diferença entre as simulações, com esse ou aquele conjunto, mas em que Lula lidera com maioria relativa ou (quase) absoluta de intenção de votos. Ou seja: embora as diferenças de votos para o favorito nas simulações sejam aparentemente pequenas, variando em torno de 34, 37 pontos, isso pode fazer toda a diferença entre haver ou não um 2º Turno – presumindo-se, é claro, que deixarão o petista concorrer e que as tendências atuais do eleitorado se manterão daqui pra frente. De qualquer modo, é com base nos dados atuais disponíveis que em grande parte têm de se basear os cálculos eleitorais no presente mais imediato. Não apenas os dos partidos e eventuais candidatos, é claro, mas também os dos grandes grupos e atores sociais com poder de influência e igualmente grandes expectativas em relação ao jogo. Aliás, não é por outra razão que a pesquisa busca sofregamente dar conta de praticamente todos os cenários possíveis, como que a buscar ansiosamente uma resposta às óbvias perguntas: quem pode bater Lula (se o Judiciário não o abater)? E qual o custo? Ou seja: diante das várias alternativas, qual a viabilidade das mais palatáveis (ou menos indigestas)?
Seja como for, algo que se pode especular é justamente acerca das implicações de um cenário mais ou menos pulverizado de candidaturas e o que isso pode significar em termos de incerteza, riscos relativos e oportunidades. Quanto mais candidatos na simulação, menores as chances de que Lula possa faturar já no 1º turno. Teoricamente, uma boa notícia tanto para seus inimigos quanto para os "amigos" da esquerda que, porventura, sonham ocupar o espaço aberto com a crise do PT e as indefinições que ameaçam a nova candidatura do velho líder petista. Por outro lado, a proliferação de candidaturas presidenciais, além de ampliar o desgaste já grande do processo eleitoral em si, amplia ainda mais o grau de incerteza da disputa (basta lembrar a campanha de 1989, com sua miríade de candidatos e seu resultado pra lá de inesperado e não menos problemático).
Por isso mesmo, também não seria pequeno o abalo, em matéria de incerteza, risco e imprevisibilidade caso se confirme, mais cedo ou mais tarde – principalmente mais tarde – a exclusão de Lula da disputa. Dada a diversidade social, regional e ideológica da base de sustentação de sua candidatura – os atuais 34, 37% que se dizem inclinados a votar nele, hoje – não é tão simples assim imaginar quais poderiam ser os novos destinos desse contingente significativo de votos.
Não faltam bons motivos, portanto, para fortes dúvidas estratégicas, para todos os lados.
Mas não gostaria mesmo é de estar na pele dos membros da legião de "centristas", ou "liberais", apoiadores mais ou menos entusiasmados ou discretos do impeachment, que se incomodam com a dianteira de Lula, mas ao mesmo tempo se apavoram com a candidatura alternativa mais bem colocada em segundo lugar. Nem vou entrar no mérito das responsabilidades assumidas no passado frente aos riscos do presente e do futuro (além de cair, como sempre, em ouvidos moucos, agora já é muito tarde). Mas que parece uma típica sinuca de bico...
Não é pois à toa que certos grupos golpistas já se movimentam, prévia e precavidamente, em direção à própria mudança da forma de governo. Como era inevitável, segue seu curso desestabilizador a dinâmica posta em movimento desde a última eleição presidencial pelas engrenagens do golpismo, e ampliam-se exponencialmente os riscos e as incertezas para todos os atores do jogo. Inclusive os mais bem aparelhados para surfar na atual e interminável temporada de caça ao butim público e (re)privatização do Estado brasileiro.
Por essas e outras, de uma coisa podemos estar certos/as: mantidas as coordenadas básicas do jogo e do calendário, até a definição oficial das candidaturas, vamos ver e ouvir o diabo em matéria de possíveis candidaturas a presidente, uma mais estapafúrdia do que a outra.
E é claro que o risco maior é o de assim acabar se elegendo justamente o "próprio"....