Durante muito
tempo, mais precisamente até 2002, acreditei que Luís Inácio Lula da Silva
nunca seria eleito presidente do Brasil. Com base nas três disputas
presidenciais que ele havia perdido até então, minha teoria era bastante
simples: Lula jamais seria eleito porque ele era bom demais para isso. Demais
para que uma boa parte do Brasil pudesse suportar.
Ou seja: Lula
representa (e sempre representará) um exemplo de sucesso.
Um cara que
veio de uma das regiões mais pobres do país, superou todo o tipo de
dificuldade, mal teve oportunidade de estudar, mas aprendeu uma profissão e
construiu com esforço uma carreira, tornou-se líder sindical de uma categoria
profissional organizada e numerosa, em setor crítico da indústria nacional,
enfrentou pacifica e pragmaticamente uma ditadura em defesa dos direitos e
interesses dos seus companheiros trabalhadores, e, por último, mas não menos
importante, fundou e liderou o maior partido de massas da história política
brasileira. Em suma: o homem já tinha um portfólio invejável quando se tornou
nacionalmente conhecido como o principal desafiador dos poderosos candidatos do
establishment nas três primeiras eleições presidenciais pós-ditadura.
Ora: quem
nesse país possui trajetória comparável? Quantos se alçaram comparativamente
mais alto, ou foram mais longe, pelo próprio mérito e esforço (como gostam de
repetir os hipercorretos importadores de pseudovalores estrangeiros e
bajuladores de "celebridades")?
Quem pode se
mirar nessa história – nesse exemplo, ou espelho – e não se admirar (ou se
incomodar)?
Num país marcado
até a medula pela escravidão, tão cruel e mesquinho com a massa de despossuídos
e desprivilegiados, e ao mesmo tempo tão pusilânime e condescendente com
privilégios dos bem-nascidos, dos apaniguados, apadrinhados,
filhinhos-de-papai, etc., quem consegue, de fato, se comparar? Sejamos francos:
perto de uma trajetória vitoriosa como a de Lula, somos tantos de nós, na
melhor das hipóteses, uma legião de amadores em matéria de capacidade de autorrealização
pessoal, ou promoção da própria mobilidade social ascensional.
Mas eis então
que esse arrogante imigrante nordestino, sem formação superior, cometia a
suprema ousadia de querer nos governar?! E o que é pior: prometendo trabalhar no
governo justamente para combater a miséria e promover a inclusão econômica e
social de milhões como ele?!
Já não bastava
ter de encarar o constrangimento de uma comparação com tais realizações
pessoais? (ainda mais para algum filho das classes abastadas, ou médias – e que
apesar de choramingar e invejar os ricos, mal se dá conta de estar no topo da
pirâmide social desse país campeão mundial de desigualdade –, inclusive com
todas as oportunidades de estudar em bons colégios e universidades?).
E ainda se tem
de aturar o sujeito e seu partido no poder por mais de uma década!? Com essas
políticas "populistas" de renda mínima, microcrédito, acesso à
energia elétrica e habitação popular? Pior: bolsas universitárias, abertura de
novas universidades públicas, cotas para minorias?!
E com o
aplauso de tantos Chefes de Estado, analistas e interlocutores internacionais?!
Chega! É dose!
Em que mundo estamos!? (Que se arranje logo um jeito de desqualificá-lo...
talvez algum deslize típico de ascendente social, ou... melhor! Algum sinal,
mesmo que torto ou fabricado, de ilicitude e desvio de conduta!! Perfeito!!)
Pois é.
A verdade,
portanto, é que eu estava redondamente enganado.
Primeiro,
porque Lula ganhou em 2002 (e, suprema impertinência, bisou em 2006 e, de
quebra ainda fez a sucessora). Mas também porque é óbvio que minha simplista
hipótese, ou melhor, intuição psicologética, era muito pobre e limitada para
dar conta da compreensão adequada de uma eleição presidencial nos dias de hoje.
E existem teorias muito mais interessantes e rentáveis para entender os
resultados de 2002, ou de quaisquer outros pleitos.
Seja como for, passados todos esses anos, e tantas
águas por baixo da ponte, e vendo agora o esforço ansioso e sistemático para
impedir, novamente, que esse mesmo teimoso e impertinente brasileiro sequer
tenha a chance de conquistar mais uma vitória – lembrando não só o que Lula fez
na presidência, mas também como o fez (e sem menosprezar as óbvias razões
maiores, de ordem programática e ideológica, que hoje se articulam contra seu
possível retorno) –, ainda assim não resisto a perguntar: que imagem mais ou
menos distorcida (ou talvez excessivamente fiel e implacável) é essa que certo
Brasil enxerga quando se mira nesse espelho?
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