domingo, 9 de fevereiro de 2014

Os Lobos de Wall Street, a ganância e as drogas (ou a droga da ganância, entre outras)

Não sei se é efeito de longos anos de deformação profissional, e consequente cultivo de doses essenciais de cinismo, mas há muito tempo que não simpatizava tanto com um grande canalha como assistindo, neste fim de semana, à saga de Jordan Belfort, o tragicômico Lobo de Wall Street, do mestre Scorsese. Sei que é grave, mas não posso deixar de admitir que fiquei comovido com a interpretação que Leo DiCaprio deu ao escroque, e que torci por ele ao longo de todo o filme. Em especial no clímax do seu acerto de contas com a lei e a justiça americanas (e vou parar por aqui na descrição da película; meus desvios de conduta ainda não me levam a desrespeitar os direitos e a curiosidade do leitor que ainda não viu o filme).
Na verdade, o que gostaria de compartilhar, inspirado pelo trio Belfort/Scorsese/DiCaprio, é outra coisa bem diferente. 
Entre tantas leituras possíveis, o que mais me motivou após a sessão foi o papel, ou a metáfora da droga no enredo. Jordan e seu sócio e principal parceiro de aventura, Donnie (Jonah Hill), são completamente viciados em todo o tipo de droga caríssima que se possa imaginar (além de sexo, é claro). E as cenas mais cômicas do filme são exatamente as de esbórnia e de viagens apopléticas, onde Scorsese aproveita para provocar e testar nossa empatia com seus anti-heróis.  
A rigor, porém, me interessa explorar o quanto o drama gira em torno de drogas, num sentido bem mais amplo do termo, e de como é realmente muito difícil resistir a elas. Ou seja: não se trata apenas deste ou daquele tipo específico de vício. Mas sim da necessidade imperiosa de alguma forma, mais ou menos eventual, de desprendimento de si, de auto-anulação, suspensão da dúvida ou da reflexão - ou, se quiser, da consciência -, ou simplesmente de auto-embasbacamento, em prol do prazer, mais ou menos fugaz, seja lá de que forma, sob qual forma.
A ganância alucinada do mercado financeiro, onde o Lobo e sua matilha reinaram (e onde outras faunas ainda mais perigosas certamente proliferam), por exemplo - e que para uma leitura mais óbvia e previsível seria o "x" da película: que outra coisa não é que uma poderosa droga? Ou alguém pode imaginar que racionalidades econômicas ordinárias dêem conta do fascínio viciante do puro jogo de altas apostas, dessa e tantas outras bancas? E isso sem falar nos inúmeros outros jogos, vícios e escapismos que o grande e quase suicida jogo sem leis do mercado pode alavancar, para além de si mesmo, e cujo potencial de excitação já se pode antecipar num vislumbre?
Meu ponto é exatamente este: por que definitivamente não podemos resistir a nos drogar, a nos viciar, de um modo ou de outro? Seja com que mecanismo for: dos mais substantivos aos mais intangíveis? Nos momentos definidos como de "lazer", ou - o que é cada vez mais comum - no "trabalho" (que não se encerra nunca, e invade todos os espaços)? Quem resiste ao engajamento em torno de seja qual for a forma ou conteúdo da auto-ilusão - e olhe que Jordan Belfort deu um duro danado para construir seu castelo de cartas! -, desde que alguma excitação, algum tipo de escape do tédio e do vazio aponte no horizonte, ou no mais longínquo fim de túnel?
De que - ou melhor, de quem - é preciso "escapar"?
Quem é mais ou menos viciado? O lobo especulador e toxicômano ou os inúmeros investidores, de todos os tamanhos, que movimentam essas e outras rodas da fortuna?
Obviamente não espero respostas (nem tenho).
Só me resta, portanto, recomendar o filme e dois diálogos - pelo menos - a que o assistente não deve deixar de atentar: o primeiro almoço de Jordan com seu mentor no mercado, Hanna (interpretado de modo hilário por Matthew McConaughey), e o momento em que Jordan e Donnie se conhecem, num café. Está tudo ali. 
Mas o melhor, como sempre, é simplesmente ceder ao vício e ao escapismo - no caso,  ao menos o do cinema - e mergulhar de cabeça no céu e no inferno de Jordan Belfort. 

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