segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Interesse humano e bom jornalismo (para variar)

Philomena certamente não é o melhor filme de Stephen Frears. Mas se não bastassem os belos desempenhos de Dame Judi Dench, no papel-título, e de Steve Coogan, como o jornalista Martin Sixsmith, o enredo – verídico – já seria mais do que o suficiente para garantir, como se diz no jargão jornalístico da película, ao menos boas doses de “interesse humano”. 
A estória se passa em torno da busca da personagem-título por seu filho, entregue cinquenta anos antes para adoção à sua revelia, pelas freiras do convento onde Philomena teve de se refugiar, ainda jovem, grávida e abandonada pela família. O acaso, a crise profissional de Martin, e o bom faro jornalístico e razoavelmente inescrupuloso de uma editora atrás de uma boa reportagem com alto potencial de ‘interesse humano” – ou, talvez, quem sabe, a Providência, em seus caminhos tortos –, permitem a Frears construir uma nova versão do velho estratagema cinematográfico da parceria inusitada entre os opostos, reunindo o cínico, ateu e insensível jornalista e a devota, singela, simplória e, no entanto, determinada senhora, numa busca pela verdade.
Como sempre, não vou estragar a surpresa e detalhar os sucessos e fracassos de Martin e Philomena. Já disse que, na minha modesta avaliação, o filme certamente vale o ingresso.
Me interessa apenas explorar o fato de que, como bom filme sobre (também) religião, se pode dizer que Philomena nos fala de fé, pecado, culpa e redenção – principalmente encarnados na personagem principal –, mas igualmente de conversão: a de Martin Sixsmith que, por assim dizer, redescobre sua vocação de jornalista, graças a Philomena. 
Num momento tão particularmente lamentável do jornalismo brasileiro – mas certamente não só o nosso –, em que velhas tradições de investigação diligente e criteriosa, e o cultivo dos mais comezinhos princípios normativos da profissão – a começar pelo mais basilar de todos: o respeito mínimo à inteligência do leitor – são descarada e perigosamente desleixados, em prol de sabe-se lá que estratégias – jornalísticas?! pseudo-partidárias?! – ou simples modismos editoriais; enfim, numa época dessas, assistir Martin Sixsmith dar suas cabeçadas, mas ainda assim puxar todo o fio da meada do drama de Philomena, e tornar pública uma história tão importante, é sempre um bálsamo.
Rendamos, pois, irmãos, graças à Providência, é claro. 
Mas também a Stephen Frears e a seu elenco, aos bons jornalistas e demais profissionais em crise existencial e, last but not least, a todas as pessoas, mais ou menos escrupulosas, que, no entanto, ao fazer bem o seu trabalho legítimo, nos legam um pouco mais de virtudes públicas (mesmo que eventualmente a serviço de alguns vícios privados).
Graças aos caminhos tortuosos!

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