sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O terceiro turno

A essa altura do campeonato tudo leva a crer que, de um modo ou de outro, Dilma Rousseff será reeleita. Pode ser só em 26 de outubro, disputando com Marina - como as pesquisas seguem apontando -, ou com Aécio. Pode até ser já no próximo domingo.
É o desfecho mais provável. Mas ninguém garante. Minha bola de cristal, por exemplo, nunca funcionou muito bem. Este ano, então...
Na plausível hipótese de haver segundo turno, porém,e disso podemos ter certeza,este será ainda pior do que o primeiro, em matéria de radicalização.
E mais: que o próximo governo, seja de quem for, terá de lidar com a oposição mais ressentida e intolerante dos últimos tempos. Dentro e ainda mais do lado de fora do Congresso Nacional.
Ou seja: pode até não haver segundo turno. Mas do terceiro a gente não escapa.
Há duas fortes razões para que isso ocorra: a primeira se deve ao alto grau de incerteza que o pleito deste ano adquiriu por conta do acirramento e indefinição da disputa, resultando no fato de que chegamos à reta final do primeiro turno com três fortes concorrentes e, a princípio, três alternativas de resultados possíveis: Dilma X Marina, Dilma X Aécio, ou Dilma vencendo já no domingo. Em condições relativamente normais de temperatura política, essa indefinição poderia ser facilmente atribuída basicamente às ambigüidades do contexto de expectativas econômicas – como se sente hoje no cotidiano dos eleitores, e traduzida na profusão de bons e contraditórios argumentos técnicos que parecem se apresentar tanto à disposição da situação quanto das oposições -, e ao desgaste natural de permanência de um mesmo grupo no poder, por mais de uma década, num sistema tão competitivo como o nosso, hoje (o que, obviamente, corre em paralelo com o correspondente alijamento dos concorrentes; e mais dramaticamente, é claro, junto àqueles que perderam o acesso freqüente – ou mesmo permanente – que se acostumaram a oligopolizar sobre o controle do butim público e dos tradicionais privilégios de aparelhamento do nosso velho e bom Estado). De qualquer modo, e somente por tais características, a derrota - ou derrotas - já seriam naturalmente doídas (afinal, como qualquer torcedor sabe, por incrível que pareça, perder de 1x0 é pior do que de 7x1; quando se perde de goleada, não há o que discutir: o adversário foi muito melhor e ponto final; mas quando se perde de pouco, sempre se pode duvidar da justiça do placar; sempre aparece o indefectível e irritante questionamento: se aquele lance, ou aquela decisão do juiz tivessem outro desfecho, a história do jogo poderia ter sido outra; e haja ressentimento e dificuldade para aceitar a derrota). Mas é claro que o acidente com Eduardo Campos e a onda que se formou em torno da candidatura de Marina deram tons ainda mais dramáticos à tal incerteza.
O elemento que conspira mais fortemente para acirrar os ânimos, contudo, e formar nuvens escuras no horizonte, tanto de curto quanto de médio prazo, é, disparado, o tom raivoso e intolerante assumido pelo debate partidário, ou para-partidário. Em especial nos recantos soi-disant mais informados da intelligentzia nacional.
Sabemos que esse processo de radicalização tem história e não começou agora, nessa campanha (assim como ressoa a patologias políticas nacionais mais antigas, recorrentes, e de triste memória).
Mas o que impressiona é que não somente entre os próprios candidatos e suas propagandas, o que se vê hoje nos artigos de opinião e, principalmente, nas redes sociais, é uma troca cada vez mais acirrada e agressiva de gentilezas, provocações e alarmes de profecias catastróficas que de tão renitentes parecem desejar se auto-cumprir. Como se a vitória de qualquer um dos três candidatos mais competitivos pudesse representar de fato tamanho risco ou mudança de rumos, ameaça efetiva para as instituições democráticas, ou coisa parecida. Enfim, um melodrama de quinta categoria.
Entendo perfeitamente que para grande número dos variados militantes ora engajados na disputa, há muito que se ganhar ou perder (como disse, o butim é grande). Até aí, nada de muito novo.
O problema é que para outros tantos, igualmente envolvidos até o pescoço no confronto, mas sem as mesmas perspectivas concretas de ganho – ou perda –, a essa altura a disputa já se tornou simplesmente uma questão de honra. E confesso que não sei o que é pior: a luta sem quartel por “boquinhas” – que, inclusive, de “inhas” podem não ter nada – ou o engajamento ensandecido, motivado pura e simplesmente por paixões facciosas, mistificações ideológicas grosseiras, ou preconceito, insegurança e ressentimento de classe.
Seja como for, e pensando já em 2015 e no começo do próximo governo, acho bom começar a colocar as barbas de molho e pensar em alguma agenda de descompressão política.
Pois não existe ressaca pior do que aquela que se alimenta da embriaguez continuada e auto-induzida.
Ainda mais com altas doses de veneno.

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