Nem bem se
passou uma semana da consumação inicial do golpe, e o show de horrores com que
nos brindaram o usurpador-interino e sua entourage conseguiu não somente
confirmar os piores prognósticos daqueles que antes soavam alarmistas diante do
rumo previsível dos acontecimentos – há mais de um ano –, como também
constranger membros da legião de liberais e democratas de ocasião que entraram
de gaiatos no navio do impeachment maroto e, desde a origem, suspeitíssimo.
Com efeito, para muitos destes aprendizes de feiticeiro parece que não fazia
parte do enredo de exorcismo ansioso dos bodes expiatórios petistas essa sucessão
de nomeações indigestas e primeiras iniciativas assustadoras da nova administração
e de sua ansiosa base de apoio pra-lamentar (oops!).
De fato, não
deve ser muito agradável para quem jogou suas fichas no golpe, apostando numa
higienização imediata da corrupção nacional endêmica – ou numa eugenização
seletiva do poder – ver assumir os altos escalões da recém-reinaugurada
republiqueta nomes dignos de um programa de pós-graduação – de excelência! – em
picaretagem política e privatização do Público. Nem, para tantos soi-disant
progressistas, desiludidos e ressentidos, assistir, também graças a seu apoio,
mais ou menos entusiasmado, ao assanhamento incontinenti dos dignos
representantes dos grotões mais repulsivamente reacionários e energúmenos da
sociedade neo-pós-escravagista brasileira, que se julgam agora vitoriosos,
livres e desimpedidos para dar largas à sua sanha fascistóide. Periga até mesmo
a alguns cultores da metafísica do mercado e suas mãos invisíveis – mesmo que
animados pelas promessas e slogans convencionais, austeros e ortodoxos
dos novos corretores da banca – se sentir, no entanto, incomodados ou inseguros
diante do currículo (ou prontuários) de seus novos companheiros de viagem: será
que dá mesmo para confiar no rigor técnico, na probidade, na solidariedade, no
comprometimento e no espírito de sacrifício dessa turma?
E a
relativamente grande massa que tanta esperança nutriu com a perspectiva de se
livrar da "querida"? Está pronta a pagar o bendito pato e a conta que
se prepara para seus bolsos e interesses? Falando em cota de sacrifício...
Pois é.
É duro viver
sob os ditames e pressões de uma atmosfera contaminada pela manipulação da
informação e pela radicalização política e ideológica. E uma vez instalada esta
última, perde-se facilmente de vista tanto a memória de como ela começou a ser
irresponsavelmente insuflada, quanto, ainda mais, a sua possível superação
futura.
Pior do que
isso, talvez, só mesmo ter que aturar a arrogância, a desfaçatez e os ultrajes
de um governo ilegítimo, recheado de oportunistas – eventualmente desprovidos
tanto de credenciais quanto de votos –, referendado por adesões cínicas e sem
qualquer credibilidade, e entronizado por um arremedo canhestro de legalidade.
Ainda por cima com mínimas perspectivas de sucesso no encaminhamento de soluções
razoáveis para qualquer crise.
Mas talvez,
mais insuportável ainda seja assistir à cumplicidade e à pusilanimidade de quem
poderia, quem sabe, evitar tudo isso, a rigor teria a obrigação moral e
institucional de pelo menos tentar evitar tudo isso, mas preferiu e prefere se
omitir em sua pseudo-autossuficiência.
Resta, porém,
a esperança de que este filme de terror estimule as hostes de indecisos e
eventuais arrependidos a rever senão suas preferências – que podem até ter lá suas
boas razões –, mas sim os meios e métodos infelizes que foram levados a
endossar, e, acima de tudo, as alianças comprometedoras, mais ou menos
contingentes, que andaram engolindo.
Já que em horas como essa vale ainda mais o princípio
de que pode ser muito melhor andar só – ou com uma boa minoria – do que tão mal
acompanhado.
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