segunda-feira, 23 de maio de 2016

A volta dos mortos-vivos (mais vivos do que nunca)

Nem bem se passou uma semana da consumação inicial do golpe, e o show de horrores com que nos brindaram o usurpador-interino e sua entourage conseguiu não somente confirmar os piores prognósticos daqueles que antes soavam alarmistas diante do rumo previsível dos acontecimentos – há mais de um ano –, como também constranger membros da legião de liberais e democratas de ocasião que entraram de gaiatos no navio do impeachment maroto e, desde a origem, suspeitíssimo. Com efeito, para muitos destes aprendizes de feiticeiro parece que não fazia parte do enredo de exorcismo ansioso dos bodes expiatórios petistas essa sucessão de nomeações indigestas e primeiras iniciativas assustadoras da nova administração e de sua ansiosa base de apoio pra-lamentar (oops!).
De fato, não deve ser muito agradável para quem jogou suas fichas no golpe, apostando numa higienização imediata da corrupção nacional endêmica – ou numa eugenização seletiva do poder – ver assumir os altos escalões da recém-reinaugurada republiqueta nomes dignos de um programa de pós-graduação – de excelência! – em picaretagem política e privatização do Público. Nem, para tantos soi-disant progressistas, desiludidos e ressentidos, assistir, também graças a seu apoio, mais ou menos entusiasmado, ao assanhamento incontinenti dos dignos representantes dos grotões mais repulsivamente reacionários e energúmenos da sociedade neo-pós-escravagista brasileira, que se julgam agora vitoriosos, livres e desimpedidos para dar largas à sua sanha fascistóide. Periga até mesmo a alguns cultores da metafísica do mercado e suas mãos invisíveis – mesmo que animados pelas promessas e slogans convencionais, austeros e ortodoxos dos novos corretores da banca – se sentir, no entanto, incomodados ou inseguros diante do currículo (ou prontuários) de seus novos companheiros de viagem: será que dá mesmo para confiar no rigor técnico, na probidade, na solidariedade, no comprometimento e no espírito de sacrifício dessa turma?
E a relativamente grande massa que tanta esperança nutriu com a perspectiva de se livrar da "querida"? Está pronta a pagar o bendito pato e a conta que se prepara para seus bolsos e interesses? Falando em cota de sacrifício...
Pois é.
É duro viver sob os ditames e pressões de uma atmosfera contaminada pela manipulação da informação e pela radicalização política e ideológica. E uma vez instalada esta última, perde-se facilmente de vista tanto a memória de como ela começou a ser irresponsavelmente insuflada, quanto, ainda mais, a sua possível superação futura.
Pior do que isso, talvez, só mesmo ter que aturar a arrogância, a desfaçatez e os ultrajes de um governo ilegítimo, recheado de oportunistas – eventualmente desprovidos tanto de credenciais quanto de votos –, referendado por adesões cínicas e sem qualquer credibilidade, e entronizado por um arremedo canhestro de legalidade. Ainda por cima com mínimas perspectivas de sucesso no encaminhamento de soluções razoáveis para qualquer crise.
Mas talvez, mais insuportável ainda seja assistir à cumplicidade e à pusilanimidade de quem poderia, quem sabe, evitar tudo isso, a rigor teria a obrigação moral e institucional de pelo menos tentar evitar tudo isso, mas preferiu e prefere se omitir em sua pseudo-autossuficiência.
Resta, porém, a esperança de que este filme de terror estimule as hostes de indecisos e eventuais arrependidos a rever senão suas preferências – que podem até ter lá suas boas razões –, mas sim os meios e métodos infelizes que foram levados a endossar, e, acima de tudo, as alianças comprometedoras, mais ou menos contingentes, que andaram engolindo.
Já que em horas como essa vale ainda mais o princípio de que pode ser muito melhor andar só – ou com uma boa minoria – do que tão mal acompanhado.

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