Dada a indigência legal
dos argumentos invocados para cassar o mandato de Dilma Rousseff com algum
verniz de legitimidade institucional - com o agravante conjuntural de que tal
tarefa temerária caberá a uma Legislatura que vem conseguindo a proeza de
liquidar o que ainda restava da já de muito combalida reputação do nosso
Parlamento -, restou aos aprendizes de feiticeiro da hora o investimento pesado
na desconstrução sistemática da imagem da principal liderança política e
popular do país, Luís Inácio Lula da Silva.
Assim buscou-se e
busca-se atingir dois objetivos estratégicos: 1) seguir insuflando a indignação moral
mais ou menos seletiva de parcelas consideráveis da opinião pública - já
devidamente predispostas à mobilização contra o governo e seu partido -, e com
isso carrear mais apoio popular para o impeachment, exercendo assim, consequentemente, maior
pressão sobre as instituições do Estado e da Sociedade Civil com prerrogativas
ou poderes para interferir no rumo dos acontecimentos; 2) inicialmente
inviabilizar uma nova candidatura de Lula à presidência, seja em 2018 - se os
atuais mandatos de Dilma e seu vice foram mantidos - ou mesmo antes disso, se o
golpe em curso se consumar ainda este ano; mas agora também trata-se, é claro,
de se impedir de qualquer maneira a ida de Lula ao ministério de Dilma; não
somente por tudo o que isso pode representar em termos de mobilização de apoios
ao governo no Congresso - onde inclusive poderia se abrir uma janela de
negociação e consequente sobrevida política para a presidente - mas
também, é claro, pela capacidade que Lula ainda tem de aglutinar as mais ou
menos dispersas forças à esquerda, para além do próprio PT, como aliás qualquer
pessoa que tenha acompanhado com um pouco mais de atenção as manifestações da
última sexta-feira poderia perceber (servindo-se, de preferência, de outras
fontes de informação que não exatamente as "oficiais" e seus
exercícios numerológicos e metafísicos de "interpretação").
De qualquer modo, é
possível que a primeira estratégia - a de pressão de opinião pública - já
esteja surtindo efeito. Uma vez que começaram a proliferar manifestações de apoio ao
impeachment por parte de várias entidades e associações, algumas de
longa e digna tradição.
Mas também é bastante
plausível a hipótese de que tais adesões a essa aventura estejam sendo movidas
mais por uma espécie de cálculo supostamente pragmático em torno da urgência de
se superar rapidamente o impasse político e permitir a um (novo) governo
qualquer algum encaminhamento, a toque de caixa, da crise econômica pela qual
estamos passando.
Pois é. A miopia - quer
dizer: a dificuldade de enxergar o que se encontra mais afastado no espaço (mas
também no tempo) - é um traço constitutivo da condição humana, finita e
limitada. E nem sempre seus efeitos são necessariamente negativos. Muito pelo
contrário.
O problema é quando a
visão - de curto, médio ou longo alcance - se deixa turvar pela ansiedade e
pelo chamado "pensar desejante", ou wishful thinking. A primeira nos conduz à irreflexão e à precipitação.
O segundo distorce a nossa percepção da realidade e nos leva a enxergar somente
os sinais que nos confortam - ou confirmam nosso entendimento ou preconceitos
prévios - e a desprezar e a fazer vista grossa para as evidências ou
informações que contrariam nossos desejos e prognósticos favoritos.
É mais do que
compreensível a angústia que muito sentem hoje neste país, assim como o desejo
sincero de superação de ambas as crises, em especial a econômica, mas também a política, e o mais
rapidamente possível. Compartilho tanto destes sentimentos quanto desse desejo.
Mas nem por isso creio
que possamos ou devamos nos iludir com relação aos possíveis cenários futuros,
para além daquilo que nossa miopia nos permite ver.
Por isso as soluções que
buscarmos para a resolução dessa crise - se efetivamente ainda as há - não
podem se deixar aprisionar por cálculos apressados e objetivos imediatistas.
Para que tenhamos
soluções concretas e quem as coloque em vigor - ou seja, governo e parlamentos
minimamente legítimos e, consequentemente, eficazes - há que cuidar, antes de
tudo, das chamadas instituições democráticas.
A começar pelas mais
importantes: o respeito à Constituição e às regras do jogo.
Sem eles não adianta
trocar o técnico nem o time inteiro.
Ou, pelo menos, como se diz na sábia linguagem
do futebol (e do saudoso Garrincha): não sem antes "combinar com os
russos".
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