A essa altura
da novela não seria nada mal se pudéssemos deixar de lado as manipulações
grosseiras e o desrespeito à inteligência do cidadão: todos nós sabemos que não
se encontra de modo algum em questão a constitucionalidade do impeachment
no atual regime presidencialista brasileiro.
Pode-se até questionar,
no plano teórico, se ele é, de fato, compatível com determinadas teorias democráticas
mais radicais, que privilegiam acima de tudo a manifestação da vontade popular
(eu, pessoalmente, acho-o perfeitamente coerente com nossas e outras tradições
republicanas).
Mas é inegável
que, nos marcos constitucionais vigentes, o impeachment é uma ferramenta
perfeitamente legal - e extrema - para se garantir a responsabilização e,
consequentemente, preservar a autoridade e a legitimidade do Poder Executivo.
Por isso, nada de mais natural que eminentes juristas, inclusive excelentíssimos
ministros e ministras membros do Supremo Tribunal Federal, reafirmem
didaticamente a plena vigência do instituto do impedimento, como, aliás, de todos
os demais artigos da atual Constituição.
O que sem dúvida
pode constituir golpe, é sim, pura e simplesmente, a tentativa de aplicação de
tal terapia de choque contra um mandatário que não tenha comprovadamente
cometido qualquer crime de responsabilidade no exercício do mandato. Ou seja: o
mecanismo com que se quer depor Dilma Rousseff é, em si, perfeitamente legal;
se ele pode ser legalmente utilizado agora contra ela, já é outra história.
Também é certo,
como se diz, que o impeachment constitui-se, simultaneamente, num
processo tanto jurídico quanto político. Certamente os senhores deputados e
senadores possuem a prerrogativa institucional e eminentemente política de
impedir a continuidade do mandato da presidente, se assim o julgarem, não exatamente
“conveniente”, mas sim impositivo, por força de uma clara e ponderada consciência
majoritária da incompatibilidade entre o comportamento dela, no exercício da
função, e a preservação da autoridade legítima do cargo mais importante da República.
Aquele único que, em nosso sistema, é forçosamente delegado para mandato fixo e
limitado pela soberania popular por clara e inequívoca maioria absoluta de
votos (redundante acrescentar, pois, que os ínclitos membros do nosso
Parlamento devem ter a prudência de reconhecer que tal imposição também se
aplica ao exercício de seus próprios mandatos, igualmente conferidos
legitimamente pela soberania popular (com a pequena diferença, apenas, que no
caso deles isso se deu graças a contingentes eleitorais um "pouco"
menores)).
Seja como for,
por conta da importância e da representatividade cruciais do cargo
presidencial, e, consequentemente, da enorme gravidade de uma decisão como
esta, possui também o outro Poder independente da República, o Judiciário, em
sua instância mais alta, o STF, o poder de responder a eventuais
questionamentos acerca da legalidade de tal decisão, se ela vier a ser
efetivada politicamente de modo apressado, leviano ou inconsequente, sem o
devido atendimento de requisitos jurídicos imprescindíveis.
O desafio para
os defensores do impeachment da
presidente é, portanto, duplo: demonstrar a pertinência legal do expediente, e
viabilizá-lo através da persuasão política e do voto do Parlamento.
Tarefas fáceis
nesses dias que correm?
Pode ser.
Mas nem por isso capazes de dar um fim a esse enredo
de gosto e gênero pra lá de duvidosos.
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