segunda-feira, 28 de março de 2016

À guisa de esclarecimento (como se fosse exatamente esse o caso...)

A essa altura da novela não seria nada mal se pudéssemos deixar de lado as manipulações grosseiras e o desrespeito à inteligência do cidadão: todos nós sabemos que não se encontra de modo algum em questão a constitucionalidade do impeachment no atual regime presidencialista brasileiro.
Pode-se até questionar, no plano teórico, se ele é, de fato, compatível com determinadas teorias democráticas mais radicais, que privilegiam acima de tudo a manifestação da vontade popular (eu, pessoalmente, acho-o perfeitamente coerente com nossas e outras tradições republicanas).
Mas é inegável que, nos marcos constitucionais vigentes, o impeachment é uma ferramenta perfeitamente legal - e extrema - para se garantir a responsabilização e, consequentemente, preservar a autoridade e a legitimidade do Poder Executivo. Por isso, nada de mais natural que eminentes juristas, inclusive excelentíssimos ministros e ministras membros do Supremo Tribunal Federal, reafirmem didaticamente a plena vigência do instituto do impedimento, como, aliás, de todos os demais artigos da atual Constituição.
O que sem dúvida pode constituir golpe, é sim, pura e simplesmente, a tentativa de aplicação de tal terapia de choque contra um mandatário que não tenha comprovadamente cometido qualquer crime de responsabilidade no exercício do mandato. Ou seja: o mecanismo com que se quer depor Dilma Rousseff é, em si, perfeitamente legal; se ele pode ser legalmente utilizado agora contra ela, já é outra história.
Também é certo, como se diz, que o impeachment constitui-se, simultaneamente, num processo tanto jurídico quanto político. Certamente os senhores deputados e senadores possuem a prerrogativa institucional e eminentemente política de impedir a continuidade do mandato da presidente, se assim o julgarem, não exatamente “conveniente”, mas sim impositivo, por força de uma clara e ponderada consciência majoritária da incompatibilidade entre o comportamento dela, no exercício da função, e a preservação da autoridade legítima do cargo mais importante da República. Aquele único que, em nosso sistema, é forçosamente delegado para mandato fixo e limitado pela soberania popular por clara e inequívoca maioria absoluta de votos (redundante acrescentar, pois, que os ínclitos membros do nosso Parlamento devem ter a prudência de reconhecer que tal imposição também se aplica ao exercício de seus próprios mandatos, igualmente conferidos legitimamente pela soberania popular (com a pequena diferença, apenas, que no caso deles isso se deu graças a contingentes eleitorais um "pouco" menores)).
Seja como for, por conta da importância e da representatividade cruciais do cargo presidencial, e, consequentemente, da enorme gravidade de uma decisão como esta, possui também o outro Poder independente da República, o Judiciário, em sua instância mais alta, o STF, o poder de responder a eventuais questionamentos acerca da legalidade de tal decisão, se ela vier a ser efetivada politicamente de modo apressado, leviano ou inconsequente, sem o devido atendimento de requisitos jurídicos imprescindíveis.
O desafio para os defensores do impeachment da presidente é, portanto, duplo: demonstrar a pertinência legal do expediente, e viabilizá-lo através da persuasão política e do voto do Parlamento.
Tarefas fáceis nesses dias que correm?
Pode ser.
Mas nem por isso capazes de dar um fim a esse enredo de gosto e gênero pra lá de duvidosos.

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