segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Ser ou não ser? (Fora da zona de conforto)

Um dos sinais inequívocos de que alguém se encontra mesmo diante de uma crise autêntica é o fato de que não é possível mais permanecer e se sentir relativamente confortável, ou ao menos não tão confortável quanto antes. Muitas vezes o conforto em que alguém se mantém por um bom tempo só é efetivamente reconhecido no momento em que ele se perde (daí aquele clássico chavão do "eu era feliz e não sabia").
Com o agravamento das crises política e econômica atuais, muita gente certamente já talvez nem lembre o que é "conforto".
Mas há aqueles para quem, acredito, a hora da verdade está chegando somente agora.
Refiro-me, nesse caso, ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, nosso velho e conhecido PMDB.
Desde os tempos já míticos em que liderou a chamada "Transição Democrática", no começo da década de 1980, até seu apogeu na Assembleia Nacional Constituinte (1987-88) – e que marcou também, obviamente, o começo do declínio de sua preeminência política – o antigo partido de Ulysses veio se acostumando a desempenhar no jogo político nacional um papel decisivo, porém secundário: o de observador mais ou menos alinhado das grandes disputas entre PT e PSDB, mas também de cobiçado e quase inevitável aliado dos governos de uns ou outros, em função do tamanho de suas bancadas e de sua capilaridade e poder no sistema federativo.
Não por acaso, já lá se vão mais de vinte anos desde a última vez que o PMDB apresentou candidato próprio às eleições presidenciais (Orestes Quércia, que ficou em quarto lugar em 1994). De lá para cá o partido se acostumou a maximizar seus recursos nas demais eleições de modo a se tornar sempre indispensável – ou pelo menos impossível de se ignorar – por quem quer que governe o país.
Uma posição bastante confortável, e por uma série de razões: 1) primeiro, porque abrindo mão de disputar a presidência com candidato próprio, e se concentrando na manutenção e aprimoramento de sua máquina nacional, ficou muito mais fácil e confortável administrar e acomodar as suas diversas facções e lideranças regionais; ainda mais diante da perspectiva quase sempre renovada de adesão aos governos federais eleitos e participação de destaque na distribuição dos cargos e recursos da administração federal (uma vez conservada, claro, a aludida força numérica do partido no Congresso e em vários estados e municípios); 2) segundo, porque ao ser quase sempre parte importante do governo, mas não seu principal responsável – coisa que naturalmente cabe aos partidos dos presidentes – o PMDB também usufrui de seus eventuais bônus, sem ter de necessariamente arcar com seus ônus; quando o governo vai bem, fatura-se ao menos parte dos créditos (fora os benefícios já aferidos pelo controle de partes da máquina); quando ele vai mal, diluem-se os custos, com o foco da insatisfação se dirigindo predominantemente para os protagonistas. De fato, se nosso sistema é mesmo o tal "presidencialismo de coalizão", ninguém parece tê-lo praticado melhor que o partido do atual vice-presidente da República.
Com a presidente Dilma na berlinda do impeachment, porém, a coisa muda inteiramente de figura. Tal como irá suceder com todos os partidos e todas as forças políticas do país, o processo de radicalização por que estamos passando certamente vai agora atingir novos patamares de polarização e vai ser quase impossível se manter em cima do muro. Mas para o PMDB, por suas funções estratégicas tanto no Executivo quanto no Legislativo federais, o desafio é muito maior.
A primeira dificuldade do partido na conjuntura atual, portanto, será o da manutenção de sua pretensa unidade. Antes, na zona de conforto, era fácil lidar com dissidências e disputas internas. Agora serão outros quinhentos. Não só por conta das divergências naturais e projetos políticos conflitantes de seus líderes e grupos. Mas também porque a perspectiva de eventual volta ao proscênio, ainda mais nessa conjuntura crítica, vai tornar os riscos e os custos de transição – e de transação – muito mais elevados. Seja interna ou externamente ao partido.
Assim, escolher (re)assumir o comando – com o eventual impedimento da presidente (pressupondo, é claro, que ela venha a cair sozinha, e que não tenhamos eleições presidenciais antes de 2018) – é uma aposta tão tentadora quanto temerária para o PMDB. Por um lado, pode representar uma oportunidade histórica singular e rara de retomada real do poder para a sigla. Por outro, será o fim da era de participação relativamente fácil e confortável no governo de qualquer um dos rivais. Um caminho sem volta (pelo menos em médio prazo).
Já que, afinal, qual será a credibilidade do PMDB como grande parceiro de coalizão se agora voltar as costas ao governo do PT? Quem seriam os parceiros preferenciais de um novo governo tucano, ou mesmo de outras siglas menos prováveis?
É por essas e outras que, talvez, o grande dilema peemedebista também não possa mais se restringir a uma simples escolha de qual outro protagonista seguir, se o PT ou o PSDB, conforme os humores do eleitorado ou das pesquisas de opinião. Ator principal ou coadjuvante, mais ou menos heterogêneo, grande ou não tão grande, vai ser preciso encontrar um novo lugar para si na economia política partidária brasileira. E seja lá com que grau de conforto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário