Um dos sinais
inequívocos de que alguém se encontra mesmo diante de uma crise autêntica é o
fato de que não é possível mais permanecer e se sentir relativamente confortável,
ou ao menos não tão confortável quanto antes. Muitas vezes o conforto em que
alguém se mantém por um bom tempo só é efetivamente reconhecido no momento em
que ele se perde (daí aquele clássico chavão do "eu era feliz e não
sabia").
Com o
agravamento das crises política e econômica atuais, muita gente certamente já talvez
nem lembre o que é "conforto".
Mas há aqueles
para quem, acredito, a hora da verdade está chegando somente agora.
Refiro-me,
nesse caso, ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, nosso velho e
conhecido PMDB.
Desde os
tempos já míticos em que liderou a chamada "Transição Democrática",
no começo da década de 1980, até seu apogeu na Assembleia Nacional Constituinte
(1987-88) – e que marcou também, obviamente, o começo do declínio de sua preeminência
política – o antigo partido de Ulysses veio se acostumando a desempenhar no
jogo político nacional um papel decisivo, porém secundário: o de observador
mais ou menos alinhado das grandes disputas entre PT e PSDB, mas também de cobiçado
e quase inevitável aliado dos governos de uns ou outros, em função do tamanho
de suas bancadas e de sua capilaridade e poder no sistema federativo.
Não por acaso,
já lá se vão mais de vinte anos desde a última vez que o PMDB apresentou
candidato próprio às eleições presidenciais (Orestes Quércia, que ficou em
quarto lugar em 1994). De lá para cá o partido se acostumou a maximizar seus
recursos nas demais eleições de modo a se tornar sempre indispensável – ou pelo
menos impossível de se ignorar – por quem quer que governe o país.
Uma posição
bastante confortável, e por uma série de razões: 1) primeiro, porque abrindo mão
de disputar a presidência com candidato próprio, e se concentrando na manutenção
e aprimoramento de sua máquina nacional, ficou muito mais fácil e confortável
administrar e acomodar as suas diversas facções e lideranças regionais; ainda
mais diante da perspectiva quase sempre renovada de adesão aos governos
federais eleitos e participação de destaque na distribuição dos cargos e
recursos da administração federal (uma vez conservada, claro, a aludida força
numérica do partido no Congresso e em vários estados e municípios); 2) segundo,
porque ao ser quase sempre parte importante do governo, mas não seu principal
responsável – coisa que naturalmente cabe aos partidos dos presidentes – o PMDB
também usufrui de seus eventuais bônus, sem ter de necessariamente arcar com
seus ônus; quando o governo vai bem, fatura-se ao menos parte dos créditos
(fora os benefícios já aferidos pelo controle de partes da máquina); quando ele
vai mal, diluem-se os custos, com o foco da insatisfação se dirigindo
predominantemente para os protagonistas. De fato, se nosso sistema é mesmo o
tal "presidencialismo de coalizão", ninguém parece tê-lo praticado
melhor que o partido do atual vice-presidente da República.
Com a
presidente Dilma na berlinda do impeachment, porém, a coisa muda
inteiramente de figura. Tal como irá suceder com todos os partidos e todas as
forças políticas do país, o processo de radicalização por que estamos passando
certamente vai agora atingir novos patamares de polarização e vai ser quase
impossível se manter em cima do muro. Mas para o PMDB, por suas funções estratégicas
tanto no Executivo quanto no Legislativo federais, o desafio é muito maior.
A primeira
dificuldade do partido na conjuntura atual, portanto, será o da manutenção de
sua pretensa unidade. Antes, na zona de conforto, era fácil lidar com dissidências
e disputas internas. Agora serão outros quinhentos. Não só por conta das divergências
naturais e projetos políticos conflitantes de seus líderes e grupos. Mas também
porque a perspectiva de eventual volta ao proscênio, ainda mais nessa
conjuntura crítica, vai tornar os riscos e os custos de transição – e de transação
– muito mais elevados. Seja interna ou externamente ao partido.
Assim,
escolher (re)assumir o comando – com o eventual impedimento da presidente
(pressupondo, é claro, que ela venha a cair sozinha, e que não tenhamos eleições
presidenciais antes de 2018) – é uma aposta tão tentadora quanto temerária para
o PMDB. Por um lado, pode representar uma oportunidade histórica singular e
rara de retomada real do poder para a sigla. Por outro, será o fim da era de
participação relativamente fácil e confortável no governo de qualquer um dos
rivais. Um caminho sem volta (pelo menos em médio prazo).
Já que,
afinal, qual será a credibilidade do PMDB como grande parceiro de coalizão se
agora voltar as costas ao governo do PT? Quem seriam os parceiros preferenciais
de um novo governo tucano, ou mesmo de outras siglas menos prováveis?
É por essas e outras que, talvez, o grande dilema
peemedebista também não possa mais se restringir a uma simples escolha de qual
outro protagonista seguir, se o PT ou o PSDB, conforme os humores do eleitorado
ou das pesquisas de opinião. Ator principal ou coadjuvante, mais ou menos
heterogêneo, grande ou não tão grande, vai ser preciso encontrar um novo lugar
para si na economia política partidária brasileira. E seja lá com que grau de
conforto.
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