segunda-feira, 4 de maio de 2009

Ajudando a sorte, ajudando o azar

Malgrado algumas deficiências técnicas conhecidas – principalmente no ataque e nos setores de criação – o Flamengo tem um bom time, uma base sólida formada há três anos e acostumada a decidir. Tem contado também com bons treinadores e comissões técnicas, e, por último, mas não menos importante, uma enorme torcida que se acostumou a esbanjar confiança e que, por isso, sempre acredita e impulsiona seu time para frente. Por conta dessa massa, também é verdade que o Flamengo é muitas vezes bajulado por uma mídia oportunista, e objeto de privilégios (seja de patrocínios públicos, seja de um ou outro juizinho sem personalidade e critério). Mas o mais importante, porém, é que essa torcida dá à equipe rubronegra grande segurança e estabilidade, o que, dependendo do adversário, pode constituir vantagem psicológica decisiva. Por isso e por suas próprias qualidades, o Fla é hoje um time que ajuda a própria sorte.
Já o meu Botafogo, vem superando uma escassez quase secular de estrutura, e montando, nos últimos quatro anos, diferentes equipes que – com maior ou menor substituição de peças importantes – a despeito de todas as dificuldades têm conseguido manter significativa competitividade, e às vezes até mesmo um futebol envolvente, mas cujo maior defeito, porém, é uma renitente instabilidade emocional, principalmente nos momentos decisivos. Alternando também bons técnicos e profissionais ao longo dos últimos anos, o alvinegro contemporâneo consegue a proeza de mudar de time e repetir sempre tanto as mesmas qualidades quanto os mesmos defeitos. É capaz dos maiores entusiasmos e dos maiores apagões. Se pudéssemos registrá-lo, o gráfico emocional do time, numa mesma partida, seria uma autêntica gangorra. Não surpreende, portanto, que sua grande torcida reflita – e talvez ajude a reproduzir – essas oscilações, passando da euforia à desconfiança em questão de segundos. Por isso também ela freqüentemente se retrai e não apóia como poderia: o Botafogo é um time que dá muita chance ao azar.
Explicando cientificamente o que é quase inexplicável – o futebol e seus mistérios – arrisco-me em afirmar peremptoriamente que há, portanto, autênticas dialéticas – ou se preferirem, menos pomposamente, círculos virtuosos/viciosos – definindo os rumos profundos do futebol carioca nos últimos e fatídicos três anos: o que entrelaça o time do Flamengo e sua torcida numa cumplicidade de autoconfiança, e o que aprisiona o Botafogo, time e torcida, num ritual recorrente de ansiedade e frustração.
Houve tempo em que o Flamengo de fato tremia quando encarava o Botafogo e seu famoso “ninho de cobras”, base da seleção brasileira. Zico, auxiliado por um conjunto soberbo de craques – a maioria formada na Gávea, depois de uma geração de cabeças-de-bagre folclóricos – acabou com isso e começou a deixar a massa “mal acostumada”.
Enquanto isso, de lá para cá, os comandantes alvinegros cansaram de contribuir para alimentar as inseguranças de sua fiel torcida.
Hoje o Botafogo se ergue novamente com orgulho, à custa de muito esforço, mas ainda não conseguiu a tranqüilidade necessária. Sua velha escola de craques, inclusive, ainda não foi reaberta.
Creio, contudo, que nada mudará, e interromperá o círculo vicioso alvinegro enquanto lá não se perceber que a estabilidade emocional é condição para maiores conquistas – e o retorno do otimismo na torcida – e não a conseqüência de algum título isolado, porventura conquistado heroicamente, por um lampejo individual, uma falha do adversário, uma arbitragem perfeita, ou um bafejo da sorte.É preciso ajudar a sorte. E para isso, só com trabalho, paciência, perseverança e, principalmente, capacidade de aprender com os próprios erros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário